ACONTECEU EM WOODSTOCK
Ang Lee, Taking Woodstock, EUA, 2009

Woodstock para Ang Lee nunca seria o palco inquieto de grandes subversões e choques desconcertantes com a ordem das coisas. Só poderia ser o que é: uma aventura mansa aberta a uma diversidade circense de expressões humanas e permeada de leves (e sempre cômicas) afrontas à moral dos mais conservadores. A caracterização de Elliot, o bom moço que termina por tornar o histórico evento possível quase sem querer, o torna a personificação perfeita de todo o filme. Sua inofensividade patente serve de espelho para o olhar de Ang Lee sobre a totalidade dos acontecimentos. Trata-se de uma sensibilidade dócil, uma espécie de estado chapado capaz de amortecer revoltas, que lida com um turbilhão de acontecimentos de maneira sempre serena. Como contraponto, temos a caricatura de tudo aquilo que parece ligeiramente extremo: o grupo de teatro de vanguarda, os pais de Elliot drogados com haxixe, os mafiosos que aparecem para reclamar controle sobre o evento.

Chamar o filme de conservador, no entanto, seria ignorar o trabalho e o interesse particulares de Ang Lee, cujas ambições nunca foram muito além de reconstituir âmbitos comunitários com leves deslocamentos em relação às normas sociais vigentes: revoluções discretas de caráter individual em sujeitos apenas um pouquinho diferentes de seu entorno, mas ainda assim “normais”. Firmemente apegado a uma narração descritiva, portanto, Aconteceu em Woodstock se desenrola sem sobressaltos, com pontos de virada praticamente imperceptíveis, e mostrando-se interessado sobretudo na simultaneidade de ações, que ganha freqüentemente a imagem por meio de split-screens. O interessante na utilização que Ang Lee faz do recurso é deter-se sempre sobre uma mesma cena, evidenciando diferentes ângulos da mesma e provocando uma vertigem perceptiva pela convergência de movimentos de câmera.

Por fim, é isto que subsiste como imagem preponderante: uma profusão de ações performadas por um número infindável de pessoas. Ações não necessariamente dotadas de sentido ou propósito. Ao menos não no momento de sua realização. Pensando-se por este lado, pode-se compreender o trabalho de Ang Lee como o esforço de um cronista para recontar eventos de maneira minimamente cativante e sem nunca impor “dificuldades” de fruição, com o objetivo último de provocar reflexões posteriores sobre os sentidos que atribuímos às coisas. Ou, mais precisamente, às ações em sociedade. E, vendo por este ângulo, sua obra pode chegar a parecer mais provocadora do que a superfície a princípio sugeriria.

Tatiana Monassa