THIS IS IT
Kenny Ortega, This Is It, EUA, 2009

Apenas um documentário de bastidores, poderíamos dizer. Se, e apenas se, não se tratassem dos bastidores de um espetáculo que nunca aconteceu. E, sendo este justamente o motivo de existência do filme, não há como negar que todas as expectativas apontam para as “revelações” de tudo aquilo que estava sendo planejado e para a projeção por sobre os registros apresentados do que seria o show, tivesse ele visto a luz do dia. Consciente disto, Kenny Ortega faz um filme que se aproveita das imagens disponíveis – de definições, texturas e qualidades diversas – para tentar criar uma experiência desde sempre inexistente no mundo real. Este talvez seja o aspecto mais intrigante de This Is It, pois não se trata apenas de falsear uma continuidade – como é de praxe em qualquer filme de apresentações musicais –, mas de sugerir ao espectador uma vivência sabidamente situada no campo da imaginação.

À parte este “detalhe” constitutivo, o filme segue com propriedade o padrão esperado: alternância de entrevistas e momentos puramente observacionais com os números musicais na íntegra, que visam justamente nos colocar diante da totalidade deste espetáculo imaginado. E se as entrevistas nos apresentam o contexto dos ensaios e da fabricação das imagens, os momentos de observação e os próprios números musicais nos colocam diante da força documental de um registro “bruto”. A potência do corpo de Michael Jackson e de sua voz, ora vacilante, ora avassaladora, constitui uma força que atravessa o filme magnetizando de toda e qualquer atenção. Todo o universo dos preparativos do show gira em torno dele, assim como todos ali trabalhando se curvam a dele e todas as pirotecnias para ele afluem. Em determinado momento, portanto, o maravilhamento com esta figura tão enigmática quanto fascinante aponta como inevitável.

Com o detalhe de que, neste retrato singular, tentar compreender o objeto, nos gestos feitos na penumbra, nas ordens dadas em meias-palavras, ou nos delírios explicados cuidadosamente, acaba cedendo lugar ao impulso de admirar a simples força da performance, o domínio do espaço pelo movimento do seu corpo – e, por extensão, dos corpos dos bailarinos. Espaço ainda não totalmente esquadrinhado – afinal trata-se de ensaios –, mas já absolutamente dominado. E esta fisicalidade contrasta brutalmente com tudo aquilo que viria se juntar a ela para compor o espetáculo em sua totalidade: projeções em telões, efeitos de luz, etc. Neste aspecto, a seqüencia da concepção do filminho de gangster, a partir de imagens de filmes diversos com a inserção de Jackson como personagem, talvez seja a que melhor traduz a força do corpo-Michael Jackson como objeto imaginado (por ele mesmo em última instância) e projetado ao mundo como ícone que subjuga o espaço à sua volta. Pela habilidade em consubstanciar esta idéia em imagens, voluntária ou involuntariamente, pode-se dizer, pois, que Kenny Ortega fez um bom filme.


Tatiana Monassa