Apenas um documentário de bastidores, poderíamos dizer. Se,
e apenas se, não se tratassem dos bastidores de um espetáculo que nunca
aconteceu. E, sendo este justamente o motivo de existência do filme, não há
como negar que todas as expectativas apontam para as “revelações” de tudo
aquilo que estava sendo planejado e para a projeção por sobre os registros
apresentados do que seria o show, tivesse ele visto a luz do dia. Consciente
disto, Kenny Ortega faz um filme que se aproveita das imagens disponíveis – de
definições, texturas e qualidades diversas – para tentar criar uma experiência
desde sempre inexistente no mundo real. Este talvez seja o aspecto mais
intrigante de This Is It, pois não se trata apenas de falsear uma
continuidade – como é de praxe em qualquer filme de apresentações musicais –,
mas de sugerir ao espectador uma vivência sabidamente situada no campo da
imaginação.
À parte este “detalhe” constitutivo, o filme segue com
propriedade o padrão esperado: alternância de entrevistas e momentos puramente
observacionais com os números musicais na íntegra, que visam justamente nos
colocar diante da totalidade deste espetáculo imaginado. E se as entrevistas nos
apresentam o contexto dos ensaios e da fabricação das imagens, os momentos de
observação e os próprios números musicais nos colocam diante da força
documental de um registro “bruto”. A potência do corpo de Michael Jackson e de sua
voz, ora vacilante, ora avassaladora, constitui uma força que atravessa o filme
magnetizando de toda e qualquer atenção. Todo o universo dos preparativos do
show gira em torno dele, assim como todos ali trabalhando se curvam a dele e
todas as pirotecnias para ele afluem. Em determinado momento, portanto, o
maravilhamento com esta figura tão enigmática quanto fascinante aponta como
inevitável.
Com o detalhe de que, neste retrato singular, tentar
compreender o objeto, nos gestos feitos na penumbra, nas ordens dadas em meias-palavras,
ou nos delírios explicados cuidadosamente, acaba cedendo lugar ao impulso de
admirar a simples força da performance, o domínio do espaço pelo movimento do
seu corpo – e, por extensão, dos corpos dos bailarinos. Espaço ainda não
totalmente esquadrinhado – afinal trata-se de ensaios –, mas já absolutamente
dominado. E esta fisicalidade contrasta brutalmente com tudo aquilo que viria
se juntar a ela para compor o espetáculo em sua totalidade: projeções em
telões, efeitos de luz, etc. Neste aspecto, a seqüencia da concepção do filminho
de gangster, a partir de imagens de filmes diversos com a inserção de Jackson
como personagem, talvez seja a que melhor traduz a força do corpo-Michael
Jackson como objeto imaginado (por ele mesmo em última instância) e projetado ao
mundo como ícone que subjuga o espaço à sua volta. Pela habilidade em consubstanciar
esta idéia em imagens, voluntária ou involuntariamente, pode-se dizer, pois,
que Kenny Ortega fez um bom filme.
Tatiana Monassa
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