O CAÇADOR
Na Hong-jin, Choo gyeok ja, Coréia do Sul, 2008

Ao assistir um filme como O Caçador, me parece inevitável pensar na adequação do olhar do espectador ao contexto ao qual o filme pertence, ou àquele em que ele é apresentado. No caso deste, trata-se claramente de um filme de gênero realizado dentro da poderosa indústria do cinema coreano. Um filme policial permeado pelo “jogo sujo” de todos os lados, no qual os picos de adrenalina são o objetivo principal. Exibido (fora de competição) no Festival de Cannes, no entanto, ele adquiriu a aura de um filme portador de um diferencial, de uma marca de autoralidade qualquer, ou de uma proposição que fuja do trivial. E é assim que de lá ele saiu para ser vendido aos circuitos exibidores ocidentais.

Mas o que em sua conjugação de um roteiro mal concatenado com explosões de agressividade de toda sorte e banhos de sangue com requintes de sadismo seria o fator decisivo para esta atenção privilegiada? O ensaio de uma crítica à inoperância da polícia, articulada em cenas pseudo cômicas e totalmente inverossímeis e na interminável sucessão de mal entendidos? A suposta ironia de uma caçada em que giros improváveis fazem com que o resgate dê errado e a tragédia apenas se multiplique? Mas não seria tudo isso apenas modulações casuais de uma expressão genérica local? As discussões que irrompem sem aviso, nas quais os personagens se agridem verbalmente a ponto de instalar tensões apenas resolvíveis por meio da força, assim como a lassidão em estabelecer um ponto de vista moral firme, que permite que a violência atinja intensidades gráficas bem além do que estamos acostumados no cinema americano, me parecem, se tomados em seus contornos mais gerais, características compartilhadas por um grande número de filmes coreanos.

Quando temos a oportunidade de apreciar o cinema de um Bong Joon-ho, por exemplo, encontramos o alento de nos certificamos uma vez mais do que é lidar com a noção de autoralidade – sobretudo dentro do cinema de gênero ou de um cenário cinematográfico que não nos é permitido contemplar em sua totalidade. Para este conterrâneo de Na Hong-jin, “filme” é uma decorrência da força da mise en scène, do sentido profundo retirado da interação entre estilo e relato do mundo. Elemento impossível de ser encontrado em O Caçador, que não consegue nem ser um filme de ação com a eficiência dos filmes cujos artesões são mestres na arte de afirmar o seu fazer acima de qualquer outra coisa.


Tatiana Monassa