A guerra promovida por papai Bush no início da década de
1990 ficou conhecida como a guerra da CNN. A emissora de notícias viveu seu
momento máximo naqueles dias em que acompanhávamos pela TV os desempenhos dos
mísseis scud e patriot, bem como os clarões que assombravam a noite oriental.
Havia até torcida e clima de Copa do Mundo.
Bush filho quis encerrar o assunto, cometendo o mesmo erro
do pai e invadindo uma terra cuja cultura desconhece. Mas sua guerra não foi predominantemente
filmada por profissionais. Pelo menos não foram eles os detentores das imagens
mais fortes, e sim os iraquianos munidos de câmeras amadoras e conexão com a
internet. A guerra ao terror deste século XXI foi a guerra do YouTube.
Kathryn Bigelow, diretora irregular, com belos filmes no
currículo (Pointbreak - Caçadores de Emoção, Jogo Perverso), mas
também algumas coisas inexplicáveis (Near Dark, Strange Days) foi
muito feliz ao associar a famigerada câmera tremida a essa idéia em Guerra
ao Terror. Se quase todos podem filmar, a qualidade dessas imagens já não é
mais a mesma das providas por pessoas treinadas para isso, como bem mostrou o
problemático Pacific, de Marcelo Pedroso, na Mostra de Cinema de
Tiradentes em janeiro de 2010. Esconde-se o profissional, surge o pseudo-jornalista
conectado ao urgente pela tecnologia. Mas esse jornalista de ocasião não pode
estar sempre presente. Nem mesmo o mais enxerido dos filmadores teria coragem
de se aproximar de uma bomba no exato momento em que está sendo desmontada, e é
nesse momento que temos, finalmente e graças a uma trapaça da diretora, bom cinema.
Enquanto vemos, em silêncio enervante, o Sargento William James cortar alguns
fios que podem ser os errados, não conseguimos pensar em outra coisa que não a
iminente explosão. A tensão deixa de vir da câmera que chacoalha como se o
operador sofresse de alguma abstinência tóxica e passa a vir da cena, com a
câmera sendo o olhar privilegiado que temos diante dos momentos de maior
impacto. Por isso é notável a habilidade de estrategista de Bigelow, que se
apropria, logo no início, do princípio que Cronenberg aperfeiçoou em Scanners – uma cabeça explode nos primeiros minutos, fazendo com que fiquemos tensos
sempre que os scanners do título entram em ação. Em Guerra ao Terror,
acompanhamos uma detonação por celular ainda no prólogo. É uma explosão
bárbara, em câmera lenta, impressionante em seu balé de pedras e estilhaços
pelo ar. Uma explosão certamente inesquecível pelo espectador envolvido já
naquele momento. Tal envolvimento, por sinal, é mais um sinal da habilidade da
diretora em controlar tensões. Pessoa alguma ficaria indiferente aos gritos
desesperados para que um iraquiano largue o celular. Indiferenças combatidas
com precisão, temos um xeque-mate. Essa explosão jamais será esquecida durante
toda a projeção, e a tensão está garantida e amplificada pelos testemunhos
silenciosos de iraquianos, alguns com câmeras ou escondendo as mãos, numa
atmosfera de terror que diz respeito à maneira como os americanos (os soldados,
mas não só) lidam com o desconhecido, o árabe, o iraquiano.
Graças a essa trapaça, Bigelow pode também centrar o drama
no personagem mais suicida e interessante do filme, o já mencionado sargento
James (vivido pelo agora celebrado ator Jeremy Renner), especialista em
desarmar bombas modernas. Em alguns momentos seu drama não corresponde às
imagens trôpegas que vemos na tela. A sensação é de estarmos diante de algum
veículo que passa por uma rua toda esburacada, nossa visão é a mesma de um
motorista em um rally. Sei que é moda filmar assim, e este é um dos raros casos
em que a tremedeira absurda, que privilegia sensações, mas sonega entornos,
descontextualizando a ação do espaço cênico, é justificável. Mas Bigelow
exagera em alguns momentos, tornando a experiência mais nauseante do que
especificamente tensa. É uma ressalva que se pode fazer a Guerra ao Terror.
Ressalva a que os detratores não se apegam com firmeza, e que os entusiastas
praticamente ignoram.
Os trunfos, contudo, superam os equívocos – e que o leitor
me perdoe pelo clichê. A opção por seguir o sargento de perto se revela o maior
trunfo após o período de sua patrulha no Iraque, quando acompanhamos seu
retorno ao lar, com mulher e filho pequeno, onde o máximo de emoção a que
parece ser submetido reside na hora de escolher cereais num supermercado (azar
do homem que compra uma mercadoria diferente da que sua mulher pensava) ou de
remover as folhas que entopem as calhas do telhado. É quando faz todo sentido a
frase inicial, que o filme faz questão de assinalar na abertura e no plano
final, plano combatido por muitos como uma ode ao militarismo (o que é uma
tremenda bobagem): "a guerra é uma droga".
Sérgio Alpendre
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