Emmerich não perde tempo com prólogos introdutórios: a
primeira seqüência de 2012 já é repleta de tensão e sentimento de
urgência, pois nela é feita a grande revelação de que a Terra tem muito menos
tempo de estabilidade do que era esperado, e que a destruição em massa está
próxima. No momento seguinte já estamos em Washington e os núcleos narrativos
principais – sim, há muitas narrativas paralelas, para que o sentido de
catástrofe ampla possa ser propriamente sentido – são logo apresentados, para serem
conectados no momento seguinte. A funcionalidade narrativa, portanto, é o que
marca a primeira parte do filme, na qual somos jogados de um canto a outro e
apresentados a informações demais para podermos sequer nos apegarmos aos
personagens e desfrutar das cenas.
Estabelecido o não-tão-simples arcabouço lógico que nos
permitirá aquiescer com a proporção mirabolante da destruição que
anunciadamente iremos presenciar, Emmerich se permite fixar a atenção mais
detidamente em cada núcleo de personagens, e investir em algum combustível para
alimentar nossa identificação e permitir que a ameaça de suas mortes tenha de
fato algum efeito dramático. Neste ponto, os dois protagonistas emergem como
tal: o escritor Jackson Curtis, interpretado por John Cusack, e o cientista do
governo Adrian Helmsley. Num palco propício para heroísmos e reafirmação de
valores essenciais, é interessante perceber o perfil destes personagens e o
desenrolar de seus dramas pessoais no decorrer do filme, até o desfecho.
De um lado, o homem branco, instável porque afiliado às
ciências humanas, pai de família destituído “injustamente” de seu posto em
decorrência de uma causa nobre (escrever seu livro!), mas ávido por
reconquistá-lo. De outro, o negro, possuidor de conhecimento especializado e
detentor de um cargo de prestígio, mas ainda em busca de um amor para contrapor
sua dedicação ao dever. Ambos irão, por fim, ser contemplados em sua busca,
insinuando que a idéia do restabelecimento da tranqüilidade – e da
possibilidade de vida na Terra – corresponde à reafirmação da instituição
família dentro de moldes tradicionais. Morto o padrasto das crianças, sujeito
surpreendentemente agradável, e o presidente (negro) dos Estados Unidos, pai
super protetor e coruja que mantinha a pretendente de Helmsley sob guarda
cerrada, os dois casais prototípicos podem celebrar sua união.
Apesar de tendencioso na eleição das manifestações de
heroísmo e dos sacrifícios, Emmerich estabelece nuances o suficiente para não
poder ser taxativamente acusado de conservadorismo ou coisa que o valha. Pois a
tragédia para ele carrega forte carga irônica, não se baseando numa
predestinação determinista simplesmente. Da morte do guru maluco-beleza,
engolido pelas labaredas do vulcão enquanto admira a magnificente beleza de tal
manifestação, à morte do cientista indiano que primeiro detectou a iminência da
catástrofe, há um tom jocoso que parece a todo instante anunciar que não se
trata de justiça, pois há algo muito maior por trás que tornaria a justiça uma
jóia inconquistável desde sempre. E, em 2012, isto aponta para o próprio
meio de salvação (que nos leva a torcer insanamente pelos protagonistas para
que consigam atingi-lo sãos e salvos), a arca gigante construída a partir de
mão de obra escrava na China.
A configuração desta arca de Noé, para a qual os ricos
compraram acesso por preços exorbitantes e a bordo da qual estão as grandes obras
de arte da humanidade, “escolhidas por especialistas”, em si já diz muito sobre
o sarcasmo sutil de Emmerich. Uma vez estabelecido, portanto, que a justiça é,
na realidade, uma questão circunstancial cujo significado é flutuante, o
diretor assume sua liberdade em manipular seus personagens como bem lhe
interessa. Por isso, portanto, ele não tem escrúpulos em transformar o escritor
(assim como seu filho pequeno) num herói improvável, protagonista de uma proeza
física da qual nunca poderíamos supor que ele seria capaz. A seqüência, possivelmente
a melhor do filme, demonstra a maestria de Emmerich em conduzir cenas de
extrema tensão de corrida-contra-o-tempo. A falta de escrúpulos é ainda
responsável pelas ótimas cenas de destruição em escalas que desafiam o
concebível (e o realizável, uma vez que os efeitos especiais em computação
gráfica deixam muito a desejar em termos de realismo). A catástrofe para
Emmerich é épica, bíblica, e ele a “filma” com tamanho ímpeto imaginativo que
não duvidamos em momento algum que se trata da expressão genuína de uma visão
do mundo, além da mera execução de um filme de gênero para ocupar um nicho. E é
isso que gera o interesse renovado, capaz de se sustentar mesmo através do
punhado de cenas ruins e desleixadas, que tanto este quanto os outros filmes do
diretor apresentam.
Tatiana Monassa
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