2012
Roland Emmerich, 2012, EUA, 2009

Emmerich não perde tempo com prólogos introdutórios: a primeira seqüência de 2012 já é repleta de tensão e sentimento de urgência, pois nela é feita a grande revelação de que a Terra tem muito menos tempo de estabilidade do que era esperado, e que a destruição em massa está próxima. No momento seguinte já estamos em Washington e os núcleos narrativos principais – sim, há muitas narrativas paralelas, para que o sentido de catástrofe ampla possa ser propriamente sentido – são logo apresentados, para serem conectados no momento seguinte. A funcionalidade narrativa, portanto, é o que marca a primeira parte do filme, na qual somos jogados de um canto a outro e apresentados a informações demais para podermos sequer nos apegarmos aos personagens e desfrutar das cenas.

Estabelecido o não-tão-simples arcabouço lógico que nos permitirá aquiescer com a proporção mirabolante da destruição que anunciadamente iremos presenciar, Emmerich se permite fixar a atenção mais detidamente em cada núcleo de personagens, e investir em algum combustível para alimentar nossa identificação e permitir que a ameaça de suas mortes tenha de fato algum efeito dramático. Neste ponto, os dois protagonistas emergem como tal: o escritor Jackson Curtis, interpretado por John Cusack, e o cientista do governo Adrian Helmsley. Num palco propício para heroísmos e reafirmação de valores essenciais, é interessante perceber o perfil destes personagens e o desenrolar de seus dramas pessoais no decorrer do filme, até o desfecho.

De um lado, o homem branco, instável porque afiliado às ciências humanas, pai de família destituído “injustamente” de seu posto em decorrência de uma causa nobre (escrever seu livro!), mas ávido por reconquistá-lo. De outro, o negro, possuidor de conhecimento especializado e detentor de um cargo de prestígio, mas ainda em busca de um amor para contrapor sua dedicação ao dever. Ambos irão, por fim, ser contemplados em sua busca, insinuando que a idéia do restabelecimento da tranqüilidade – e da possibilidade de vida na Terra – corresponde à reafirmação da instituição família dentro de moldes tradicionais. Morto o padrasto das crianças, sujeito surpreendentemente agradável, e o presidente (negro) dos Estados Unidos, pai super protetor e coruja que mantinha a pretendente de Helmsley sob guarda cerrada, os dois casais prototípicos podem celebrar sua união.

Apesar de tendencioso na eleição das manifestações de heroísmo e dos sacrifícios, Emmerich estabelece nuances o suficiente para não poder ser taxativamente acusado de conservadorismo ou coisa que o valha. Pois a tragédia para ele carrega forte carga irônica, não se baseando numa predestinação determinista simplesmente. Da morte do guru maluco-beleza, engolido pelas labaredas do vulcão enquanto admira a magnificente beleza de tal manifestação, à morte do cientista indiano que primeiro detectou a iminência da catástrofe, há um tom jocoso que parece a todo instante anunciar que não se trata de justiça, pois há algo muito maior por trás que tornaria a justiça uma jóia inconquistável desde sempre. E, em 2012, isto aponta para o próprio meio de salvação (que nos leva a torcer insanamente pelos protagonistas para que consigam atingi-lo sãos e salvos), a arca gigante construída a partir de mão de obra escrava na China.

A configuração desta arca de Noé, para a qual os ricos compraram acesso por preços exorbitantes e a bordo da qual estão as grandes obras de arte da humanidade, “escolhidas por especialistas”, em si já diz muito sobre o sarcasmo sutil de Emmerich. Uma vez estabelecido, portanto, que a justiça é, na realidade, uma questão circunstancial cujo significado é flutuante, o diretor assume sua liberdade em manipular seus personagens como bem lhe interessa. Por isso, portanto, ele não tem escrúpulos em transformar o escritor (assim como seu filho pequeno) num herói improvável, protagonista de uma proeza física da qual nunca poderíamos supor que ele seria capaz. A seqüência, possivelmente a melhor do filme, demonstra a maestria de Emmerich em conduzir cenas de extrema tensão de corrida-contra-o-tempo. A falta de escrúpulos é ainda responsável pelas ótimas cenas de destruição em escalas que desafiam o concebível (e o realizável, uma vez que os efeitos especiais em computação gráfica deixam muito a desejar em termos de realismo). A catástrofe para Emmerich é épica, bíblica, e ele a “filma” com tamanho ímpeto imaginativo que não duvidamos em momento algum que se trata da expressão genuína de uma visão do mundo, além da mera execução de um filme de gênero para ocupar um nicho. E é isso que gera o interesse renovado, capaz de se sustentar mesmo através do punhado de cenas ruins e desleixadas, que tanto este quanto os outros filmes do diretor apresentam.


Tatiana Monassa