STAR TREK
J.J. Abrams, Star Trek, EUA, 2009

Nas franquias de ação contemporâneas, a tendência à recauchutagem de antigas franquias e séries tornou-se predominante. Para além de uma motivação comercial, a prática demonstra que talvez estejamos em falta de histórias cativantes e personagens verdadeiramente fortes, uma vez que o principal ponto de apoio hoje tende a ser os efeitos especiais e sua capacidade de conferir autenticidade à mais mirabolante das fantasias e as histórias engenhosas e labirínticas. E é por entender isto e buscar uma inserção própria neste cenário que o filme de J.J. Abrams tem um gosto especial: o cuidado em lidar com um universo codificado cujo lugar na cultura pop é quase sagrado toma claramente a dianteira em relação ao impulso de simplesmente conferir uma roupagem contemporânea a uma criação de outro tempo.

Abrams compreendeu que para reverenciar e homenagear a série de Roddenberry seria preciso ser capaz de devolver ao espectador as emoções provocadas pelo material original, que repousavam na troca intensa entre personagens singulares e num delicado equilíbrio entre dilemas morais e desafios intelectuais. Mantendo este espírito, em Star Trek os efeitos especiais, embora assegurem seu lugar de direito, permanecem como plataforma para o avanço da ficção e a atenção concentra-se nos personagens – sobretudo em sua história, uma vez que boa parte da graça proposta está em lançar luz sobre facetas ainda desconhecidas de velhos conhecidos. A narrativa, portanto, procura equilibrar-se entre referências a dados conhecidos e proposições novas, que garantam certa independência ao filme. A sensação é de se estar revendo algo inédito: ao mesmo tempo em que entrega situações típicas aos espectadores, o filme apresenta uma forte preocupação com a genealogia dos personagens (por vezes excessiva e até anedótica).

Neste sentido, Star Trek é plenamente bem-sucedido, pois é capaz de atender todos os requisitos estético-comerciais dele exigidos. Isto nos leva, no entanto, para outro ponto: ao compor um material redondo e impecável em relação ao que se esperava dele, Abrams incorre em certa insipidez e ausência de autonomia criativa. Apesar do excelente plotline baseado numa viagem no tempo que provoca uma dobra na História cujas conseqüências não podem ser completamente mapeadas (e a não-preocupação do roteiro em amarrar todas as pontas é admirável), fica claro que no nível da narrativa micro, no cena-a-cena, a submissão à funcionalidade e à entrega de informações indispensáveis não permite que o filme alce grandes vôos. Como experiência, entretanto, Star Trek atinge uma graça rara na ficção científica contemporânea e a completa autoconsciência que demonstra a respeito de sua elaboração faz dele um filme consistente como poucos.


Tatiana Monassa