Nas franquias de ação
contemporâneas, a tendência à recauchutagem de antigas franquias e séries
tornou-se predominante. Para além de uma motivação comercial, a prática
demonstra que talvez estejamos em falta de histórias cativantes e personagens
verdadeiramente fortes, uma vez que o principal ponto de apoio hoje tende a ser
os efeitos especiais e sua capacidade de conferir autenticidade à mais
mirabolante das fantasias e as histórias engenhosas e labirínticas. E é por entender
isto e buscar uma inserção própria neste cenário que o filme de J.J. Abrams tem
um gosto especial: o cuidado em lidar com um universo codificado cujo lugar na
cultura pop é quase sagrado toma claramente a dianteira em relação ao impulso
de simplesmente conferir uma roupagem contemporânea a uma criação de outro
tempo.
Abrams compreendeu que para
reverenciar e homenagear a série de Roddenberry seria preciso ser capaz de
devolver ao espectador as emoções provocadas pelo material original, que
repousavam na troca intensa entre personagens singulares e num delicado
equilíbrio entre dilemas morais e desafios intelectuais. Mantendo este
espírito, em Star Trek os efeitos especiais, embora assegurem seu lugar
de direito, permanecem como plataforma para o avanço da ficção e a atenção
concentra-se nos personagens – sobretudo em sua história, uma vez que boa parte
da graça proposta está em lançar luz sobre facetas ainda desconhecidas de
velhos conhecidos. A narrativa, portanto, procura equilibrar-se entre
referências a dados conhecidos e proposições novas, que garantam certa
independência ao filme. A sensação é de se estar revendo algo inédito: ao mesmo
tempo em que entrega situações típicas aos espectadores, o filme apresenta uma forte
preocupação com a genealogia dos personagens (por vezes excessiva e até
anedótica).
Neste sentido, Star Trek é
plenamente bem-sucedido, pois é capaz de atender todos os requisitos
estético-comerciais dele exigidos. Isto nos leva, no entanto, para outro ponto:
ao compor um material redondo e impecável em relação ao que se esperava dele, Abrams
incorre em certa insipidez e ausência de autonomia criativa. Apesar do excelente plotline baseado numa viagem no tempo que provoca uma dobra na História cujas
conseqüências não podem ser completamente mapeadas (e a não-preocupação do
roteiro em amarrar todas as pontas é admirável), fica claro que no nível da
narrativa micro, no cena-a-cena, a submissão à funcionalidade e à entrega de
informações indispensáveis não permite que o filme alce grandes vôos. Como
experiência, entretanto, Star Trek atinge uma graça rara na ficção
científica contemporânea e a completa autoconsciência que demonstra a respeito
de sua elaboração faz dele um filme consistente como poucos.
Tatiana Monassa
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