Lars (Ryan Gosling) é um sujeito muito tímido, com medo do
toque humano e quase autista. Um dia, sem muita explicação, ele resolve fazer
uma compra: uma mulher, fabricada do jeitinho que ele quis.
Chegou numa caixa grande, e foi logo batizada de Bianca. Não
falava quase nada de inglês, mas se comunicava com Lars de uma maneira que para
ele estava bom. Morena, lábios carnudos, guardava certa semelhança com sua
cunhada Karin (Emily Mortimer) – algo que não é explorado explicitamente pelo
filme. Karin, por sua vez, é uma das mais empenhadas a tirar Lars de sua
redoma autista. Mas parece despertar nele alguns sentimentos ambíguos,
que o irmão Gus (Paul Schneider), o marido de Karin, não percebe.
Aos poucos, Bianca conquista os habitantes da pequena cidade
do norte dos EUA. É voluntária em escolas e hospitais públicos, provocando
um ciúme danado em Lars. Bianca tem uma rival: Margo (Kelli Garner), mulher
charmosa e tímida que se encantou com a personalidade única de Lars.
Aos poucos, Margo começa a despertar o interesse de Lars. A
batida dúvida entre a loira e a morena. Ele, tendo já passado pela experiência
de uma relação antes de experimentar a temida rejeição, estaria agora aberto a
encarar essa nova atração. Mas para isso Bianca teria de deixar de ser um
entrave. A força de sua mente se encarrega de abrir o caminho.
Em linhas gerais, estamos diante de mais uma história de
ilusão, em que as pessoas ao redor do delirante precisam entrar em seu jogo,
como forma de fazer com que ele passe por essa etapa sem sofrer sequelas. Já
vimos isso antes: Adeus, Lênin. Mas no filme alemão há uma personagem
levada por todos à sua volta para uma condição de total alienação, enquanto em A
Garota Ideal o jogo é bem jogado por todos justamente como uma estratégia
para livrar Lars de seu estado delirante. A operação, portanto, é
contrária.
Sua direção discreta é um trunfo, pois permite que os atores
se sobressaiam, ainda que modestamente. O elenco, no caso, ajuda pela
uniformidade e por um certo equilíbrio de forças em cena. Estamos longe, aqui,
do diagnóstico de uma América doente, e muito mais próximos da aceitação do
diferente, da tentativa de compreendê-lo.
Mais uma prova de que o cinema independente americano ainda
não morreu, e que o mal feito pela estética Sundance é reversível, A Garota
Ideal leva vantagem por contar com um dos maiores atores da atualidade:
Ryan Gosling. Apenas ele seria capaz de conseguir que acreditássemos nesse
personagem, o inventor de uma armadura que permitisse sua aproximação das
mulheres, e ainda balanceasse sua força, modulasse sua interpretação visando ao
equilíbrio acima mencionado. Graças a Bianca, boneca que parece ganhar vida
conforme o filme avança, seus medos puderam ser controlados. Graças a ela, ele
poderia se aproximar de uma garota sem ter medo de rejeição. E se fosse
rejeitado, ficaria empatado, não perderia mais de zero.
Sérgio Alpendre
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