Eu
Te Amo, Cara se
aproveita da onda de sucesso e do hype que as buddy
comedies americanas
vêm obtendo nos últimos anos. No entanto, o que se
descobre aqui, em verdade, é um filme atípico,
quase um
objeto estranho nesse mundo povoado por Apatows e Farrellys. Se de um
lado dispomos o anti-naturalismo do elemento cômico levado ao
extremo em filmes dos irmãos Farrelly – um humor
que
surge de situações absurdas, sempre com um
referente
muito distante no real – e de outro os personagens
excêntricos,
com neuroses, obsessões e dificuldades sociais maximizadas,
que povoam os filmes de Judd Apatow; teremos talvez dois dos
principais elementos do que poderíamos chamar, no limite, de
uma “escola” da comédia americana
recente. A esta
nem o próprio John Hamburg, entre outras coisas o roteirista
de
Entrando numa Fria 1
e 2, parecia ter conseguido escapar, mas é com Eu
te amo, cara que ele
mostrou ser possível seguir um caminho diferente. Um caminho
não necessariamente melhor, mas diferente.
O
filme possui um roteiro muito simples, reduzido à estrutura,
quase, do buddy
movie
tradicional – grandes companheiros encontram um
obstáculo
à sua amizade e têm de se separar, até
que
percebem ser impossível tocar suas vidas um sem o outro e
resolvem fazer as pazes. A diferença é que aqui
temos
um protagonista (e não dois): o corretor de
imóveis
Peter Klaven, que ao início do filme percebe que
não
possui sequer um amigo para ser seu padrinho de casamento, e assim
inicia uma busca até encontrar o personagem de Jason Segel,
que desempenha um papel coadjuvante. Todo o trabalho da mise-en-scène
de John Hamburg em cima dessa narrativa elementar, subtraída
do grande número de digressões e subconflitos
comuns às
comédias recentes, é um esforço para
trazê-la
ao chão, sendo a direção de atores a
expressão
mais flagrante desse projeto.
Há
um imenso cuidado na construção dos personagens,
que em
sua maioria fogem à caricatura. Peter Klaven e Sydney Fife
(o
recém-amigo) são talvez personagens
inéditos, no
mínimo sem precedentes reconhecíveis no cinema
contemporâneo. O primeiro conta com uma bela
interpretação
de Paul Rudd, e embora tudo indicasse para a ênfase do lado
loser
do personagem, é impossível
considerá-lo apenas
nessa superfície. Qual não é o nosso
contentamento quando, ao nos depararmos com as expressões
honestas de Rudd, encontramos um personagem de fato, vivendo
sensações com as quais podemos nos relacionar, ao
invés
da persona amorfa de um comediante, como acontece em filmes
protagonizados por Ben Stiller, por exemplo. A
direção
de Hamburg não busca apenas o naturalismo, mas uma
simplicidade na interpretação que em determinadas
cenas
chamam atenção – lembremos de quando
Peter Klaven
resolve contar sobre seu noivado aos seus colegas de esgrima, que
revelam que estão saindo para a despedida de solteiro de um
deles e que não o convidaram apenas porque ele
não
costuma sair com eles após as aulas. É uma cena
estranha, sem nenhuma piada de fato e construída de tal
forma
que se perde de vista sua importância dramática
–
já que, quando Peter revela que também vai se
casar, os
colegas não o abandonam de imediato, mas se mostram
simpáticos, felizes por ele e lhe desejam boa sorte. Uma
cena
adorável simplesmente por existir ali, mas também
pela
atenção que Hamburg lhe dá –
sinceridade
em cada detalhe da fala e dos gestos.
A
simplicidade em todas as instâncias da
direção e
do roteiro é o regime geral de Eu
te amo, cara. O humor
surge de cenas que podemos perfeitamente imaginar como
situações
possíveis e até ordinárias. Mesmo
naquelas em
que se exige uma interpretação mais extravagante,
como
na cena especialmente engraçada em que o personagem de Paul
Rudd repete a expressão “slapping the
bass“ de
diferentes formas, alterando sua voz a cada vez, não estamos
falando de nada que o espectador mais comum já
não
tenha experienciado e que, nesse caso, jamais imaginou ver no cinema.
Outro
ponto que o destaca da grande maioria dos filmes do gênero
é
o fato de Eu
te amo,
cara não ter
medo de se mostrar excessivamente sentimental. O filme não
busca contrabalancear a enorme afetividade que Peter Klaven e Sidney
Fife demonstram um para o outro com algum elemento externo –
nenhuma masculinidade se provando sexualmente ou de qualquer outra
maneira em uma trama paralela de grande importância. Como o
título já indica, Hamburg fez um filme de amor,
possivelmente a mais melosa das buddy
comedies dos
últimos
anos. E também um filme direto ao ponto, fiel a seus
personagens e a sua história. É, na maior parte
das
vezes, do centro e não de elementos periféricos
que vem
a graça. Sustentando essa estrutura, a precisão
da
escolha do elenco – Paul Rudd já se confirmando
como um
grande ator e Jason Segel, uma bela descoberta. No fim das contas, Eu
te amo, cara é
um filme sincero, que merece uma atenção para
além
de toda desconfiança.
Alice Furtado
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