EU TE AMO, CARA
John Hamburg, I Love You, Man, EUA, 2009

Eu Te Amo, Cara se aproveita da onda de sucesso e do hype que as buddy comedies americanas vêm obtendo nos últimos anos. No entanto, o que se descobre aqui, em verdade, é um filme atípico, quase um objeto estranho nesse mundo povoado por Apatows e Farrellys. Se de um lado dispomos o anti-naturalismo do elemento cômico levado ao extremo em filmes dos irmãos Farrelly – um humor que surge de situações absurdas, sempre com um referente muito distante no real – e de outro os personagens excêntricos, com neuroses, obsessões e dificuldades sociais maximizadas, que povoam os filmes de Judd Apatow; teremos talvez dois dos principais elementos do que poderíamos chamar, no limite, de uma “escola” da comédia americana recente. A esta nem o próprio John Hamburg, entre outras coisas o roteirista de Entrando numa Fria 1 e 2, parecia ter conseguido escapar, mas é com Eu te amo, cara que ele mostrou ser possível seguir um caminho diferente. Um caminho não necessariamente melhor, mas diferente.

O filme possui um roteiro muito simples, reduzido à estrutura, quase, do buddy movie tradicional – grandes companheiros encontram um obstáculo à sua amizade e têm de se separar, até que percebem ser impossível tocar suas vidas um sem o outro e resolvem fazer as pazes. A diferença é que aqui temos um protagonista (e não dois): o corretor de imóveis Peter Klaven, que ao início do filme percebe que não possui sequer um amigo para ser seu padrinho de casamento, e assim inicia uma busca até encontrar o personagem de Jason Segel, que desempenha um papel coadjuvante. Todo o trabalho da mise-en-scène de John Hamburg em cima dessa narrativa elementar, subtraída do grande número de digressões e subconflitos comuns às comédias recentes, é um esforço para trazê-la ao chão, sendo a direção de atores a expressão mais flagrante desse projeto.

Há um imenso cuidado na construção dos personagens, que em sua maioria fogem à caricatura. Peter Klaven e Sydney Fife (o recém-amigo) são talvez personagens inéditos, no mínimo sem precedentes reconhecíveis no cinema contemporâneo. O primeiro conta com uma bela interpretação de Paul Rudd, e embora tudo indicasse para a ênfase do lado loser do personagem, é impossível considerá-lo apenas nessa superfície. Qual não é o nosso contentamento quando, ao nos depararmos com as expressões honestas de Rudd, encontramos um personagem de fato, vivendo sensações com as quais podemos nos relacionar, ao invés da persona amorfa de um comediante, como acontece em filmes protagonizados por Ben Stiller, por exemplo. A direção de Hamburg não busca apenas o naturalismo, mas uma simplicidade na interpretação que em determinadas cenas chamam atenção – lembremos de quando Peter Klaven resolve contar sobre seu noivado aos seus colegas de esgrima, que revelam que estão saindo para a despedida de solteiro de um deles e que não o convidaram apenas porque ele não costuma sair com eles após as aulas. É uma cena estranha, sem nenhuma piada de fato e construída de tal forma que se perde de vista sua importância dramática – já que, quando Peter revela que também vai se casar, os colegas não o abandonam de imediato, mas se mostram simpáticos, felizes por ele e lhe desejam boa sorte. Uma cena adorável simplesmente por existir ali, mas também pela atenção que Hamburg lhe dá – sinceridade em cada detalhe da fala e dos gestos.

A simplicidade em todas as instâncias da direção e do roteiro é o regime geral de Eu te amo, cara. O humor surge de cenas que podemos perfeitamente imaginar como situações possíveis e até ordinárias. Mesmo naquelas em que se exige uma interpretação mais extravagante, como na cena especialmente engraçada em que o personagem de Paul Rudd repete a expressão “slapping the bass“ de diferentes formas, alterando sua voz a cada vez, não estamos falando de nada que o espectador mais comum já não tenha experienciado e que, nesse caso, jamais imaginou ver no cinema.

Outro ponto que o destaca da grande maioria dos filmes do gênero é o fato de Eu te amo, cara não ter medo de se mostrar excessivamente sentimental. O filme não busca contrabalancear a enorme afetividade que Peter Klaven e Sidney Fife demonstram um para o outro com algum elemento externo – nenhuma masculinidade se provando sexualmente ou de qualquer outra maneira em uma trama paralela de grande importância. Como o título já indica, Hamburg fez um filme de amor, possivelmente a mais melosa das buddy comedies dos últimos anos. E também um filme direto ao ponto, fiel a seus personagens e a sua história. É, na maior parte das vezes, do centro e não de elementos periféricos que vem a graça. Sustentando essa estrutura, a precisão da escolha do elenco – Paul Rudd já se confirmando como um grande ator e Jason Segel, uma bela descoberta. No fim das contas, Eu te amo, cara é um filme sincero, que merece uma atenção para além de toda desconfiança.

Alice Furtado