Budapeste
é adaptado de um
best-seller de Chico Buarque e tem como ator principal Leonardo
Medeiros, cujo personagem, José Costa, é um
escritor
anônimo que vende sua habilidade de escrita para aqueles que,
ao contrário dele, querem a fama. A Costa só
interessa
o labor, o processo, o corpo-a-corpo com as palavras. Após
um
breve resumo dos motivos de seu desapego à vida que leva com
a
esposa deslumbrada (Giovanna Antonelli) no Rio de Janeiro, Costa
decide trocar de vida, esquecer quem é. O ghost
writer
vai para Budapeste, onde pode fazer viver um outro homem dento de si
mesmo – outra língua, outra mulher, outros livros,
a
aventura da alteridade. Sua experiência em terra estrangeira
é
de tal modo rarefeita que pode não passar de poeira
autoficcional, mise en abîme de seus
escritos-fantasma.
A meia-hora final fortalece essa hipótese e culmina na
câmera
em frente ao espelho no último plano. Mesmo a
relação
de Costa com a moça húngara tem passagens que
exalam um
ar de conto fantástico.
O fator instigante do filme
está
na atração de Costa por Budapeste. Lá
ele
compreende que é o escritor que nasce das palavras, e nunca
o
contrário. Mas se Costa despreza o autorismo como posse
ilusória sobre uma língua, dando a entender que
as
palavras têm vida própria, a mise en
scène, por outro lado, destaca uma assinatura, a
de Walter Carvalho. O
filme começa nos informando, em voz off,
que Budapeste
é amarela. Daí poderíamos indagar: ele
vai
deixar a cor construir sua própria identidade, sua textura e
materialidade? Estará o filme nascendo das coisas, como o
personagem que nasce das palavras? Em nenhum momento, contudo, a luz
de Budapeste virá sem tradução.
É Walter
Carvalho quem quer ensinar a beleza ao amarelo, e nunca o
contrário.
As imagens têm a missão de transmitir um universo
de
sensibilidades supostamente muito especiais. O mérito
precisa
ser de alguém (do diretor Carvalho ou quem sabe do escritor
Buarque), e não de alguma coisa (digamos, do cinema ou das
palavras) que já existia antes deles. A cena em
“homenagem”
a Theo Angelopoulos (aquele barco transportando uma estátua
monumental de Lênin) vai pelo mesmo caminho: teoricamente uma
diluição do autor por trás de outro,
uma
humildade de quem admite uma beleza na obra alheia merecedora de
citação (coisa mais comum e mais simples de se
fazer na
literatura), mas na prática um exibicionismo sem grande
propósito – e sem a força almejada.
Como um
escritor que estaria mais preocupado com a caligrafia do que com a
“carne das palavras”, Carvalho e seu super-olhar
não
enxergam muita coisa além do banal.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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