O que há
para se fazer quando não há nada a se
dimensionar, se
medir, projetar? Apenas o fim. Este
título excelente
indica antes uma privação do que um
término. “O
fim” é um mote, um conceito emprestado, uma ideia
provisória; estado inalcançável,
senão
inexistente, aos personagens. A questão está toda
no
“apenas”. O mundo regido pelo
“apenas”,
doença da generalidade, se traduz na indiferença
das
pessoas entre elas mesmas, e delas com o espaço, num
território de desconhecimento, frieza e falta completa de
rumo.
Neste
cenário, resta à câmera apenas
filmar, em
uma permutação arbitrária e indefinida
de
posições. Desde que haja a cena, está
tudo
certo. Pior: uma vez que haja a cena, nada há mais a se
fazer.
Esta é a situação também
dos personagens:
“o fim” se instala, a
situação é
irremediável. Eles, então, conversarão
menos
para se esquivar do inevitável do que para garantir que nem
há
tentativas possíveis de escape. Falar, especular, vagar,
estes
gestos que transmitem a indolência, uma falta de vontade de
atuação, a conformação da
situação
apresentada. Existe uma autoconsciência e um despojamento na
exposição da fala dos personagens que corrobora
esta
mesma ideia. Daquilo que falam, dominam por completo. São
perfeitamente seguros ao analisar o outro, ou aludir àquilo
que fora o amor do passado. Trata-se de uma racionalidade exagerada,
uma “sinceridade” direta demais, intencional com o
tom
que o diretor quis obter, mas que representa, acima de tudo, o
sintoma de um relacionamento em que as posturas e
atribuições
já estão demarcadas, em que tudo pode ser dito e,
portanto, nada pode ser confessado, imprevisto. Não importa
o
que falam, desde que falem. E não há muito o que
dizer,
pois nada merece ser destacado. Referências da
infância,
signos flutuando em palavras afobadas,
comparações
ilimitadas, são o repertório hesitante de quando
se
fala para eliminar a possibilidade do improviso, de um
silêncio.
Há
um caráter performático, ritual
verborrágico de
alguma encenação de Woody Allen, que o filme
almeja,
mas que não o diagnostica. Um certo estranhamento de Apenas
o fim se dá pela fronteira entre a
sátira acima do
tom dos diálogos e o reforço dramático
que o
filme introduz para criarmos uma identidade aos personagens. Trata-se
de uma quase incoerente convicção do filme ao
drama
proposto, especialmente com o escárnio (ou, ao menos, com a
racionalidade; ou ainda, a passividade) que os personagens se colocam
a ele. Novamente, temos outro aspecto sintomático, em que se
sai da comicidade ao desespero com a segurança e banalidade
de
quem sabe que não se trata mais do que
“estilo”. É
este “estilo” que se desprende da postura, da visão
que configura o trabalho propriamente dito do diretor.
Aliás,
é como Tom, o garoto, está categorizado como
cinéfilo:
alguém que vomita referências, que se filia a
todos os
gostos, e, finalmente, que passa por cima da vontade de escolher,
decidir.
Resguardado
em um conceito obscuro de cotidiano e de simplicidade, um filme do
“apenas” não tem ausências,
nem verdades.
Ele se prontifica em um meio-termo em que nada se esconde, justamente
porque não há nada efetivamente a se revelar.
É
esta generalidade que garante que a cena exista independente da
câmera e dos personagens e o peso dos personagens seja
insubordinado ao drama e à palavra declamada.
João Gabriel Paixão
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