Alguma
coisa de fato acontece. Sábado à noite,
três
filas se formam num multiplex. Uma, pequena, é para ver uma
comédia romântica americana (Minhas
Adoráveis
Ex-Namoradas).
Outra, um pouco
maior, é para O Exterminador do
Futuro - A Salvação.
Uma terceira, enorme, interminável, é para A
Mulher Invisível, o único
filme lotado da noite. Há vinte, quinze ou quem sabe dez
anos,
esse cenário seria inconcebível: o
filme
a se ver seria indubitavelmente o novo Exterminador do Futuro, e em
segundo lugar provavelmente estaria a comédia
romântica
americana. Em junho de 2009, contudo, o filme mais requisitado do fim
de semana é uma comédia romântica
brasileira.
Nela, a trama é confessamente aparentada aos enredos de
algumas comédias comerciais americanas (dentre elas,
ironicamente, E Se Fosse Verdade,
de Mark Waters, o mesmo diretor de Minhas
Adoráveis
Ex-Namoradas).
Os atores são
em sua grande maioria famosos, um por seus papéis de
destaque
em filmes recentes (Selton Mello), os demais por terem feito carreira
na televisão. O diretor é Cláudio
Torres, cujos
trabalhos anteriores no cinema eram marcados por imagens saturadas,
pretensiosas e, no entanto, vazias (cf. Redentor,
de 2004, e “Diabólica”, o
episódio dele em
Traição,
de 1998).
Com
uma primeira parte bem ruim (a começar pela desastrosa cena
de
separação do casal), A
Mulher Invisível
demora um pouco até engrenar. O filme só melhora
quando
Carlos (Vladimir Brichta) persegue Pedro (Selton Mello) e o avista se
agarrando com a mulher invisível (ou seja, com
ninguém)
numa boate, num cinema, num restaurante. Ocorrem então as
primeiras cenas engraçadas do filme: gags de humor
físico
que trabalham no nível mais basal do riso, o riso mais
fácil
(e nem por isso desprezível). Antes, o humor tinha se
restringido a uma única boa gag de montagem –
aquela
fusão para a imagem de um prédio sendo implodido
depois
que Pedro é deixado pela esposa. Esse tipo de piada visual,
aliás, existe desde a lanterna mágica, o que
serve para
demonstrar que A Mulher Invisível,
em seus melhores momentos de humor, trabalha num nível de
intervenção criativa que qualquer filmete
burlesco
feito em torno de 1906 já conseguiria alcançar.
Talvez
tudo que uma comédia brasileira precise para obter sucesso
hoje seja mesmo atingir um ratio
mínimo de comicidade. O público brasileiro
–
desde o relativo abandono dos gêneros cômicos nesse
cinema nacional que resolveu se levar tão a sério
–
estava carente de filmes falados em sua
língua que, sem necessidade de muito
esforço, estivessem aptos a
lhe
fornecer o suficiente para uma diversão de sábado
à
noite. Ao que parece, esses filmes agora existem (Se
Eu
Fosse Você já
tinha
mostrado o caminho), e cativam o público à
razão
de sua adequação ao modelo
televisivo-publicitário,
na medida em que apresentam os mesmos atores e, em grande parte, a
mesma dramaturgia que ele está acostumado a ver na
televisão
– leia-se a mesma pobreza cenográfica, os mesmos
atalhos
cognitivos, a mesma inépcia na
construção das
situações e do enredo de forma mais ampla (nem
sempre
foi assim, a televisão brasileira já foi bem mais
criativa e menos careta e o Youtube está aí para
quem
quiser conferir alguns highlights de
vinte, trinta anos atrás).
Esse
cinema que cresce sob os aplausos do maior público
não
é o nosso pior cinema – há, na frente
dele, com
folga, a estilização pueril de Budapeste,
Feliz Natal, Meu
Mundo em Perigo,
o
auto-explicativo e pseudoconceitual Filmefobia,
os documentários vagabundos e por aí vai. A
comédia
de fórmula fácil é o cinema brasileiro
mais
adaptado à realidade social e cultural do seu
“grande
público” (seria necessário, em outra
ocasião,
interrogar o sentido dessa expressão equívoca).
Um
cinema conservador e pudico. Há várias cenas de
Luana
Piovani semi-nua em A Mulher
Invisível e
nenhuma delas consegue ser realmente erótica (besteira
colocar
a censura para 14 anos, não há nada no filme que
uma
criança de 10 não possa ver). As cenas com ela de
calcinha e sutiã não são mais picantes
que as
propagandas de lingerie que passam na TV, no que pesam os
diálogos
insossos entre Piovani e Selton Mello. Os diálogos do filme
não
surpreendem,
sobretudo quando se trata de um diálogo entre homem e
mulher.
Os melhores diálogos são os de Pedro com Carlos e
os de
Vitória (Maria Manoella) com sua irmã (Fernanda
Torres), ou seja, os diálogos sem tensão sexual. O
erotismo exigiria uma certa audácia, exatamente o elemento
que
falta ao projeto de A Mulher Invisível.
Sua proposta é não ousar, o que significa mais do
que
seguir a fórmula correta (afinal de contas, existem
várias
comédias românticas americanas que, mesmo seguindo
uma
certa fórmula, possuem lá sua dose de erotismo e
ousadia). Uma das questões a se considerar é o
fato de
que o paradigma introjetado nas mentalidades que criam o projeto de A
Mulher Invisível é
aquele, conforme já dito, da televisão, da
ficção
cada vez menos exigente e mais infantilizada. Se a teledramaturgia
brasileira se acha totalmente anestesiada, deserotizada e
conservadora, o que esperar do cinema que se propõe a ser
essa
mesma dramaturgia (ou quase) prolongada por outros meios?
Uma
coisa que costuma
acontecer nos filmes da Conspiração e que retorna
em A
Mulher Invisível são as
participações
especiais, como as de comediantes antigos (Lúcio Mauro) ou
da
crista da onda (Marcelo Adnet) fazendo pontas.
Na publicidade, isso tem uma
função
clara, que é gerar empatia com a vinheta comercial
– e,
por tabela, com o produto – lançando
mão de uma
figura de popularidade e carisma já previamente comprovados.
No cinema, o máximo que isso tem conseguido é
causar um
fissuramento do universo diegético: a narrativa se parte por
um momento, o público simpatiza (ou não) com o
convidado especial, faz comentários mesmo que em
silêncio
(“olha lá aquele cara da MTV”) e depois
volta ao
filme (se este assim lhe permitir, pois às vezes essas
participações se delongam, quase nos fazendo
esquecer
qual é o propósito da cena). Sem
falar nos papéis pequenos concedidos a atores grandes, mesmo
sob o risco de total miscasting (Paulo
Betti como o chefe de Pedro e Maria Luísa
Mendonça como
a esposa que o abandona no início).
Com
todas a restrições feitas, é preciso
admitir que
A Mulher Invisível
está bem
acima tanto do
padrão Daniel Filho (cuja Lereby participa da
produção
do filme, assim como a Globo Filmes) quanto dos filmes anteriores de
Cláudio Torres. Há quatro ou cinco anos, era
comum
dizermos no Cinema Falado (bate-papo que fazíamos todo
início de ano para discutir a produção brasileira
do ano anterior) que o cinema brasileiro precisava aprender
a fazer “filmes ruins”. Os filmes de
exceção
nunca deixaram de existir (apesar de que já vinham ficando cada
vez mais raros). Faltava era o filme médio, o
cinema-entretenimento feito com um mínimo de artesanato, de
engenho, de atrativos comerciais, de inteligência na
construção
dos diálogos e das situações
dramáticas. A Mulher Invisível já
está mais próximo
de um “bom filme ruim” do que as outras
comédias
brasileiras recentes. Mas está ainda muito aquém
do que
um gênero como a
comédia
romântica pode ter de mais interessante. O filme é
alguma coisa, mas não é muito. Embora seja
necessário,
para a crítica, reconhecer quando há essa alguma
coisa,
é mais necessário ainda querer sempre muito.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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