ALEXANDRA
Aleksandr Sokurov, França/Rússia, 2007

Depois de alguns anos alternando episódios de sua trilogia dos grandes ditadores do século XX com outros dois filmes que compõem o que se poderia chamar de um ciclo de histórias familiares (Pai e Filho e Mãe e Filho), Aleksandr Sokurov parece propor aqui uma espécie de junção desses dois eixos temáticos. Pois ao mesmo tempo em que Alexandra poderia facilmente ser tomado como o terceiro episódio da série “familiar” do diretor, por tratar da relação entre uma avó e um neto, por outro lado, nele figuram elementos comuns a seus filmes históricos, como o trabalho cuidadoso com o contexto político no extra-campo, associado a uma proposta de desconstrução do mito militar.

Partindo deste cenário em retrospecto, Sokurov faz um filme de percurso, no qual os olhares da câmera e da personagem estão profundamente ligados. Ao longo de todo o filme, Alexandra, a avó que visita o neto em um quartel instalado pelo exército russo na área ocupada da Chechênia, é nossa âncora neste universo – e seus encontros e relações transitórias que se constituem a partir deles, nossa base para a compreensão da história. Com seu olhar restrito e parcial sobre o mundo e as situações que a cercam, a personagem tateia os ambientes, exatamente como a câmera – como atestam não apenas os planos ponto-de-vista, abundantes na narrativa, mas o próprio desequilíbrio de certos enquadramentos frente aos corpos e objetos que cruzam o espaço, traduzindo na imagem a instabilidade de Alexandra frente a um ambiente que não domina por completo.

Mas se tudo isso parece apontar para um projeto estético em certa medida até bastante consistente, com uma estrutura que se desvela por meio de encontros e visões, o que de fato resta como reflexão em Alexandra é uma vazio que nos faz pensá-lo realmente como uma continuação do equivocado Pai e Filho, de 2003. Figuram nos dois filmes, aliás, os mesmos tons amarronzados na fotografia, mas não apenas isso: há em ambos o mesmo jogo estético, a mesma sensação de uma espécie de torção formal sendo aplicada sobre os personagens, no sentido de deslocar os eixos de suas relações. Isso fica bastante visível no caso de Alexandra por se tratar de um filme que parte de esquemas de roteiro bastante simples – os jogos de opostos que surgem da presença da avó em um ambiente contrastante não apenas com ela própria, mas com a idéia que deposita sobre aquele espaço – e que parece querer sempre desestabilizar as relações entre os personagens, revirá-las no interior da imagem, em busca de uma revelação que jamais surge.

Em Pai e Filho, essa mesma procura por um deslocamento interno dos relacionamentos, que na verdade nada mais é do que uma busca por dá-los um tom de ambigüidade (ou indiscernibilidade), levou muitos a enxergarem um teor homoerótico na relação entre o pai e o filho que protagonizam a história. Falso choque de cultura (lembremos da entrevista de Sokurov na ocasião do Festival de Cannes). De qualquer forma, com homoerotismo ou não, era um filme que se refugiava na não-linearidade e na busca por uma poética individualizada das cenas para esconder um formalismo vazio que agora parece retornar em Alexandra. Para onde nos dirigimos ao longo do percurso que realizamos com a personagem? Que relação é de fato aquela entre avó e neto? Quais sensações Sokurov quer nos fazer experimentar? O que pensa ele das relações entre Rússia e Chechênia? São perguntas que permanecem após o final do filme, o que nos faz pensar que o cinema de Sokurov talvez se assente melhor mesmo na figura nebulosa dos mitos, como atesta aquele que talvez seja seu melhor filme, o recente O Sol.

Calac Nogueira