Heitor
Dhalia é
o típico diretor que chega ao estilo sem passar pela mise
en scène.
O que equivale
a dizer que ele aplica o verniz sem ter erguido a estrutura ou, mais
ainda, sem ter virado o concreto. Ele veste seus personagens com
figurinos que foram encomendados a um estilista famoso, e
não
com roupas. A diferença é simples: o figurino
serve à
imagem, a roupa serve ao corpo. Em
À
Deriva,
seu
terceiro
longa-metragem, ele se sente bastante à
vontade –
auxiliado pela beleza
fácil
de um cenário de praia, sol, céu azul,
Búzios –
filmando cabelos ao vento em passeios de lancha
acompanhados
de musiquinha sentimentalóide.
Mas revela total fragilidade quando precisa se voltar ao drama familiar
construído em torno da adolescente Filipa, interpretada pela
atriz
debutante Laura Neiva. O filme nos provoca uma enorme
indiferença em relação à
personagem
principal: ela não tem desejo, não tem
satisfação
nem insatisfação. A
situação de
descoberta e conflito em que se encontra não faz seu sangue
acelerar nas veias, mas sim estagnar, em grande parte porque o
diretor sacrifica a personagem em favor da modelo, pela qual
está
claramente deslumbrado da forma mais superficial possível.
Dhalia queria ter feito um ensaio de Laura Neiva para a Capricho, e
não um filme. Aquele slide-show
antes dos créditos finais parece, inclusive, atender a esse
desejo, sendo a síntese perfeita de um filme em que a pose
vale mais que a emoção vivida e a decupagem
é
mais uma soma de instantâneos do que um esforço
para
construir, pela fragmentação mesma, a cena.
Não
há nenhum mal em rodar um plano como um recorte
aleatório
e impreciso do fluxo irrefreável das aparências
que
constituem o mundo sensível, desde que se tenha em mente que
isso só faz sentido quando pressupõe uma
aventura, uma voltagem perigosa, uma renúncia à
peça
polida e um retorno à textura da argila, uma ruptura brutal
com o conforto estético e com a
acomodação do
olhar. À Deriva, no entanto, opta por um empirismo perfumado e clean. Dhalia fetichiza a embalagem luminosa das coisas e evita aquele momento
em que, despidas de sua casca protetora, elas se tornariam mais
carnais e frontais. Ele faz o mar parecer de água doce, pois só filma o que já foi filtrado. Esse
aspecto
pauta desde as escolhas fotográficas do filme até
a
escalação dos atores. Por exemplo: Filipa
será
deflorada por um barman bonitão; o diretor toma o cuidado de
escalar Cauã Reymond para o papel; nem
pensar
em chamar um ator desconhecido, vai que
ocorre um acidente, isto é, vai que a cena ganha um peso de
realidade, uma espessura verdadeira?; com o Cauã, ela
repetirá
a cena de um episódio de Malhação
ou de alguma novela já vista. É menos real,
é
mais seguro. “O acidental é o ouro do
pobre”
(Biette), e À Deriva
é um filme de riquinho, não precisa disso.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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