A saga de John Connor, humano que lidera, em 2018, a
resistência ao domínio das máquinas, iniciou-se com sua mãe, Sarah Connor, em O
Exterminador do Futuro, de 1984. Ele era tido por pessoas do futuro como o
grande salvador, mas a própria mãe, salvo falha na memória, não sabia que ele
existiria. Era um filme bacana de ficção-científica, antes que James Cameron,
seu diretor, ficasse conhecido como perdulário em Hollywood e fosse cultuado
pelos cinéfilos. O segundo episódio, O Exterminador do Futuro 2 - O
Julgamento Final, cujo material de apoio internacional trouxe a marca T2 (T
de Terminator), acompanhou, também, a ascensão ao estrelato do ator Arnold
Schwarzenneger, e Cameron foi hábil o bastante para usufruir do carisma do
grandalhão. Num filme cheio de efeitos de ponta, idolatrado por fãs de cinema
de ação, que parecia impor novos patamares dentro do cinemão Hollywoodiano,
algo que o próprio Cameron iria satirizar no excelente True Lies.
Chegamos, então, ao terceiro filme da série, O
Exterminador do Futuro 3 - A Rebelião das Máquinas (ou T3, de acordo com a
marca). Pressentindo ter muito mais do que um veículo para um ser musculoso e
carismático nas mãos, o esperto Jonathan Mostow tratou logo de desvincular a saga
da imagem do ator, transformando-o em coadjuvante no filme que leva mais uma
vez o nome de seu personagem que havia se transformado em "mocinho"
no segundo filme e permaneceu assim no terceiro. O filme de Mostow, intitulado O
Exterminador do Futuro 3 - A Rebelião das Máquinas, pode muito bem ser
considerado o melhor de toda a série sem que fanáticos por Cameron se levantem.
É mais soturno, desesperançoso e melancólico, e, por esses fatores, consegue
ser o que mais se vincula à humanidade e lamenta seu fim.
Nesse panorama surge o quarto episódio da série, que, ao
contrário do que já foi dito por aí, bebe mais na conexão estabelecida entre
humanos oprimidos do terceiro filme do que na história inaugurada no primeiro –
que de resto não havia sido descartada no terceiro, logo, não faria sentido
dizer que o filme simplesmente ignora o episódio de Mostow. McG foi inteligente
o bastante para lançar um número arriscado de idéias, abrindo-se ao perigo da
falta de foco, ou, mais grave ainda, da ausência de um ponto de vista. Algumas
dessas idéias são tão bem sacadas que mal necessitam de amarras, se sustentando
pela simples evolução da trama.
Para começar, há a incrível simbiose do assassino condenado
que doa seu corpo à ciência e vira quase uma máquina completa, não fosse o
coração e partes do cérebro. Desnecessário dizer que é um dos personagens mais
interessantes de todos os filmes, e é também responsável por uma seqüência brilhante,
quando é perseguido pelos humanos da resistência, deixando um rastro de explosões
semelhantes ao que as máquinas produzem. O romance que se insinua entre ele e
Blair, uma bela soldada da resistência, tem também seus grandes momentos, como
na cena em que ela o abraça, e diz que só quer um pouco de calor humano,
ouvindo seu coração que bate alto, reverberado pela carcaça metálica que ela só
conheceria depois. "Não vi uma máquina, vi um homem" é o que ela fala
quando justifica sua libertação a um John Connor assustado e perdido por ter
encontrado uma máquina que não conseguia dominar.
Outra idéia boa demais, que parece não caber num filme de
duas horas – e ao mesmo tempo passa como apenas um detalhe no filme –, é
exatamente esse domínio que Connor exerce sobre os aparelhos tecnológicos. A
analogia é óbvia, e já explorada em diversas tramas em que "mocinho caça
bandido": para vencer o inimigo, é preciso conhecê-lo muito bem. Connor
usa a máquina para entrar na Skynet, o quartel general do inimigo, para iludir
os exterminadores, para testar os pontos fracos daqueles que precisa derrotar,
enfim, utiliza a tecnologia que tem à mão para enfrentar quem, por uso dessa
mesma tecnologia, pretende esmagar a raça humana. A cena em que ele abate uma
motocicleta e a programa para fazer a viagem que deseja é emblemática desse
domínio. E sua posterior identificação com Marcus, o homem-máquina, faz parte
dessa identificação e do respeito pelo inimigo. Não há como rejeitar alguém que
ele conhece o suficiente para exercer uma dominação, nem como amar por completo
alguém que até então se revelava como arma perigosa e contrária ao que é
humano.
Há ainda o casamento entre John e Kate, uma clara continuação
do filme de Mostow, no qual os dois sobraram no final para testemunhar o
quase-fim da raça humana e para liderar, a partir daí, a resistência. Por fim,
a analogia com o domínio nazista na Europa ficou ainda mais óbvia do que no
terceiro filme, com os soldados robôs aniquilando pessoas com tarjas no braço (os
guetificados) ou levando-as para uma espécie de campo de concentração, e,
posteriormente, ao extermínio.
O acúmulo de idéias faz com que O Exterminador do Futuro
- A Salvação, se assemelhe a um filme B, e o ator de Tropas Estelares,
Michael Ironside, não foi escalado num papel semelhante por acaso. Qualquer
obra que se afirme como filiada a Paul Verhoeven merece por si só um enorme
crédito, e esta nova incursão de McG no cinema de ação corresponde em muitos
aspectos a essa salutar filiação. Trata-se de um filme deliberadamente
esquizofrênico o de McG, e ele parece se divertir bastante com isso.
Sérgio Alpendre
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