Terceiro
filme de Ida Lupino como diretora, tendo por assunto as
consequências psicológicas da agressão e do estupro
sofridos por uma jovem moça. Compaixão,
indiferença, curiosidade, quaisquer que sejam as
reações de quem está perto, ela não pode
suportá-las e deve fugir. Ela se torna assim uma personagem
errante, acuada, quase desequilibrada, passando pela experiência,
após aquela da violência, da estranheza nesse mundo.
Itinerário bastante comparável ao de um herói de
film noir de que ela
representa o equivalente feminino. É então que o
verdadeiro filme começa. As histórias preferidas de Ida
Lupino contam todas a lenta cicatrização de uma ferida.
Ferida física tanto quanto moral. Suas personagens, que sua
femininidade, seu caráter ou as circunstâncias
transformaram em chagas vivas, necessitam da
serenidade, não como um luxo, mas como um remédio
indispensável a sua sobrevida. Essa busca vital da serenidade e
da luz é a substância e a razão de ser dos filmes
de Ida Lupino. Ela se exprime por um estilo miraculosamente
límpido. De que ele é feito? Podemos apenas enumerar os
materiais. Um mínimo de eventos e de personagens;
situações depuradas de todo conteúdo
anedótico; atores familiares nos quais Lupino retrata a si mesma
ao lado de personagens que conheceu, sem deixar de lançar sobre
eles um olhar objetivo; um uso simplificado e espontâneo da
decupagem clássica com uma mestria invisível do plano
longo e às vezes do plano-sequência; uma fotografia
nuançada na violência e na ternura que foge dos grandes
contrastes; acima de tudo, uma profunda humildade em
relação aos assuntos tratados, que posiciona sempre o ator
no coração da realidade que ela busca exprimir. Longe de
ser uma marginal, Ida Lupino é, ao contrário, sobre o
plano do que se exprime em seus filmes, uma cineasta central no cinema
americano e no cinema como um todo. Tudo aquilo que vieram a
exprimir, no melhor de si mesmos, Lang ou Losey, Preminger ou McCarey,
Walsh ou Fejos, e às vezes depois de tantas experiências
transitórias ou infrutíferas, parece aqui dado em uma só vez, sem que tenha existido aparentemente para a autora uma
influência a ser seguida, uma maturidade a atingir. Basta ver as
últimas cenas (conselhos e adeus de Ferguson à
heroína): elas têm a mesma intensidade, a mesma clareza
concentrada e pungente que encontramos em Mizoguchi.
Nenhum
cineasta, até onde sabemos, recebeu em uma só parcela
dons tão completos, tão inexplicáveis. Ao
menos, é claro, que se leve em conta a hereditariedade (Lupino
descende de uma antiga linhagem de atores ingleses vinda de
vários
séculos) ou uma faculdade de observação e de
assimilação que havia tido todo o tempo necessário
para se desenvolver durante os mais de quarenta filmes em que ela
interpretou desde os quatorze anos sob a direção de Dwan,
Hathaway, Walsh, Wellman, Curtiz etc. Por outro lado, sua carreira de
realizadora de cinema foi tão breve que, para nossa felicidade,
ela não teve tempo de desperdiçar seus dons nem de nos
decepcionar estragando-os.
Jacques Lourcelles
(Dictionnaire du cinéma: Les Films, Paris: Laffont, 1992, pp. 1090-91; tradução de Luiz Carlos Oliveira Jr., revisão de Ivna Fuchigami)
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