Um dos elementos que mais se destaca
em Appaloosa é a estrutura narrativa ligeiramente desequilibrada, na
qual os plot points parecem fora de lugar e os desenlaces menos
dramáticos do que se poderia esperar. O outro é a própria conformação dos
personagens, cujos longos momentos de inação superam os gestos de ação
propriamente dita. Nada de muito extraordinário, se pensarmos que se trata de
um western contemporâneo, mas há um charme especial na maneira como os
personagens transcendem sua fôrma arquetípica dentro do gênero sem nunca
escancarar uma desconstrução de estereótipos.
Em determinados momentos, Cole, o personagem
de Ed Harris, parece levar adiante sua postura de homem durão apenas por
hábito, uma vez que a idade já lhe pesa e ele encontra-se mais preocupado em
levar a sua vida de forma assentada e pacata. Ele já viveu o suficiente para
querer algo mais do que o simples reconhecimento e um lugar de respeito. Por
isso, é capaz de ignorar o fato de que o “vilão” conseguiu escapar de seu cerco
e da justiça por caminhos paralelos e segue livre fazendo o que bem entende. É
preciso que Hitch, seu leal companheiro mais novo, assuma a rivalidade, levando
a cabo a autêntica postura de um pistoleiro e partindo para o confronto final. Afinal,
mesmo o “espírito fraco” de Allie, mulher à qual Cole se apegou, não abala seu
desejo de se instalar numa casa ao lado dela.
Se Appaloosa ganha força ao
deslocar a todo instante nosso pensamento para questões fora da intriga
quem-pega-quem que constitui a trama do filme, é na relação entre Cole e Hitch
que o filme encontra sua mais instigante proposta. O pacto de uma amizade
masculina construída na base da confiança mútua e solidificada por anos de
convivência é menos um princípio do que um compromisso de honra selado entre
dois indivíduos. Da mesma forma, Cole não tem a menor dificuldade em aceitar
que a eventual a promiscuidade de Allie é resultado de uma necessidade
intrínseca de companhia e do medo da solidão. Medo, aliás, que ele também
desenvolveu. Pouco a pouco, portanto, percebemos que a “lei pessoal” que Cole
quer fazer valer sobre a cidade onde resolve se instalar por um tempo é menos
uma lei que lhe dê carta branca para dispor da vida dos habitantes como bem
entende do que uma paz que o permita viver com tranqüilidade o resto de seus
dias.
Tatiana Monassa
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