O TEMPO E A CIDADE
Terence Davies, Of Time and the City, Inglaterra, 2008

Para começar, duas palavras de tremendas ressonâncias no título: tempo e cidade. E a suposição, imediata, da intervenção de um sobre o outro, de como o tempo altera a cidade e de como a percepção de habitar uma cidade (e não outras) modula nossas percepções de tempo, associando-as à velocidade do espaço em que crescemos. Tratando-se de um mergulho pessoal do diretor Terence Davies e de sua relação particular com a cidade de Liverpool e com o tempo de sua vida, junta-se uma terceira palavra importante, memória, às duas do título. E no que isso dá? Poderíamos trabalhar com a hipótese de que qualquer obra memorialista só é grandiosa quando ela negocia com o tempo retratado e trabalha-o no sentido de chocar a incerteza das percepções pessoais à factualidade dura da realidade material (é, entre mil outras coisas, o que torna tão pungente a sensibilidade do Marcel proustiano). Pode-se dizer que é covardia comparar Em Busca do Tempo Perdido ao minúsculo O Tempo e a Cidade, mas a comparação serve no máximo para mostrar a insuficiência de Davies como autor de filme de ensaio: ele aproveita todas as facilidades do memorialismo para meramente impor, através de opiniões e comentários expressos na narração, sua sensibilidade às imagens, sem jamais haver contaminação. Assim feito, Terence Davies não consegue nada além de arrasar com qualquer espessura do tempo, da memória e do espaço: tudo vira apenas um jogo de preferências sentimentais e de telecurso histórico sarapintado de citações empostadas de autores clássicos. Como Aleksandr Sokurov, Terence Davies utiliza sua estética como um escudo contra toda contaminação da contemporaneidade e faz um elogio explícito do decadentismo e da grandeza de um passado ancestral em oposição ao lamentável presente. Ao contrário de Sokurov, que tem notáveis documentários e filmes de ensaio, Davies não atribui nenhuma densidade às imagens que filma, só utiliza as imagens em movimento como ilustração de um discurso cheio de si e morto (sem sabê-lo, e, portanto, sem ironia).

Ruy Gardnier