Para
começar, duas palavras de tremendas ressonâncias
no título: tempo e cidade. E a suposição,
imediata, da intervenção de um sobre o
outro, de como o tempo altera a cidade e de como a percepção
de habitar uma cidade (e não outras) modula nossas
percepções de tempo, associando-as à
velocidade do espaço em que crescemos. Tratando-se
de um mergulho pessoal do diretor Terence Davies e de
sua relação particular com a cidade de
Liverpool e com o tempo de sua vida, junta-se uma terceira
palavra importante, memória, às duas do
título. E no que isso dá? Poderíamos
trabalhar com a hipótese de que qualquer obra
memorialista só é grandiosa quando ela
negocia com o tempo retratado e trabalha-o no sentido
de chocar a incerteza das percepções pessoais
à factualidade dura da realidade material (é,
entre mil outras coisas, o que torna tão pungente
a sensibilidade do Marcel proustiano). Pode-se dizer
que é covardia comparar Em Busca do Tempo
Perdido ao minúsculo O Tempo e a Cidade,
mas a comparação serve no máximo
para mostrar a insuficiência de Davies como autor
de filme de ensaio: ele aproveita todas as facilidades
do memorialismo para meramente impor, através
de opiniões e comentários expressos na
narração, sua sensibilidade às
imagens, sem jamais haver contaminação.
Assim feito, Terence Davies não consegue nada
além de arrasar com qualquer espessura do tempo,
da memória e do espaço: tudo vira apenas
um jogo de preferências sentimentais e de telecurso
histórico sarapintado de citações
empostadas de autores clássicos. Como Aleksandr
Sokurov, Terence Davies utiliza sua estética
como um escudo contra toda contaminação
da contemporaneidade e faz um elogio explícito
do decadentismo e da grandeza de um passado ancestral
em oposição ao lamentável presente.
Ao contrário de Sokurov, que tem notáveis
documentários e filmes de ensaio, Davies não
atribui nenhuma densidade às imagens que filma,
só utiliza as imagens em movimento como ilustração
de um discurso cheio de si e morto (sem sabê-lo,
e, portanto, sem ironia).
Ruy Gardnier
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