Berço de cinema popular,
Bollywood tem sua produção imersa em regras que garantem, através de fórmulas
incansáveis, sua aceitação pelo público local na Ìndia, onde o cinema realmente
ainda é a maior diversão do povão. Mas a indústria local não pode deixar de
olhar para si própria e é isso o que Om Shanti Om realiza: ao mesmo
tempo uma paródia e uma reflexão sobre os gêneros e o sistema de produção que garantem
a perenidade de sua aceitação popular.A diretora Farah Khan, apesar de ter aqui
apenas o seu segundo trabalho na realização, tem experiência como coreógrafa em
mais de 70 títulos, o que acaba por avalizá-la como um nome plenamente apto a
fazer com seu filme a quase síntese de um cinema de gêneros, que, se obviamente
não são exclusivos da produção “bollywoodiana”, assumem com ela aspectos
bastante peculiares.
Om Shanti Om tem seu início como uma comédia bastante gaiata, onde
vemos um aspirante a ator, Om (Shahrukh Khan), dominado pela vontade de subir
na carreira e pela paixão pela estrela Shanti (Deepika Padukone, lindíssima,
como não podia deixar de ser uma estrela de Bollywood). A comédia vai aos
poucos absorvendo elementos de romance, que assume tintas melodramáticas, que
se transmuta em thriller, com tempero de histórias de fantasma e
salpicado de pitadas de quase todos os sub-gêneros de cinema popular. Mas seja
qual for o momento do filme, esse não deixa de ser pontuado por números
musicais – encenados pela diretora com maestria e banhos de ironia – tão caros
ao formato consagrado por Bollywood. Até mesmo em sua duração excessiva, ao
menos para o público ocidental, o que gera uma irregularidade na narrativa, que
não deixa de ser inerente à sua proposta, Farah Khan e seu filme são coerentes
com aquilo que pretendem abordar.
Temos então um curioso
exemplar de meta-cinema, que consegue ao mesmo tempo satirizar e olhar de forma
apaixonada e carinhosa sobre seu objeto. Se o excesso de referências locais
pode não ser de todo percebido por um público não familiarizado com toda a
complexidade do universo cinematográfico “bollywoodiano”, Om Shanti Om se
comunica com facilidade e se impõe acima de tudo como uma celebração. Celebração
essa que não parece ter dificuldades em contagiar a audiência e transmitir,
como podemos ver nos festivos momentos dos créditos finais, que o cinema é
arte-indústria que advém de uma cumplicidade, seja entre realizadores e
platéia, seja entre os diversos membros de uma numerosa equipe onde o diretor
apareceria apenas como a ponta de um iceberg.
Gilberto Silva Jr.
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