MINHA MÁGICA
Eric Khoo, My Magic, Singapura, 2008

Tantas maneiras de descartar Minha Mágica: simplicidade demasiada da narrativa, imagem sem beleza, show de horrores nas performances extremas do ator (que atende por seu nome real no filme) e também na construção dramática do personagem, que bebe até cair, se vomita todo etc. E o fato de haver feito anteriormente Fica Comigo, misturando singeleza pré-fabricada com malandragens de roteiro pós-modernas (estilo multiplot com encontros "surpreendentes" de histórias), não ajuda em nada.

Ainda assim, Minha Mágica não se deixa definir com facilidade. É um filme extremamente frontal, a ponto mesmo de tornar sua simplicidade em algo constrangedor para o espectador (o que, de certa forma, está às antípodas de um certo cinema de autor blasé e poseur reinante no mundo, Lisandro Alonso que o diga). O filme acompanha a vida de um pai e um filho, ele garçom e servente num clube noturno elegante e o filho estudante. O pai, homem corpulento, alto, gordo, de cabelos grandes aflitivos, é uma imagem em paradoxo: sem sentimentos, bebe dose atrás de dose, fica agressivo, mas ao mesmo tempo é capaz de mostrar uma desbragada vulnerabilidade quando faz ligações aos prantos para a mulher que o abandonou ou quando mostra seu servilismo ao gerente que o contrata. E, no entanto, dele sai mágica: fogos, cartas, moedas, tudo some e reaparece nas mãos dele. Mas o filme não constrói nenhuma figura encantada e cafona aos moldes de tantos filmes toscos que usam o circo como metáfora da pureza e da beleza (O Toque do Oboé vem por acaso à mente). Sua mágica não o redime, não o coloca num plano de transcendência: ele permanece um homem destruído, perdedor, capaz tanto de fazer desaparecer e reaparecer objetos de forma delicada quanto de mastigar vidro, engolir fogo, ser espancado, andar e deitar sobre superfícies cortantes etc. Uns bons 3/5 fo filme, aliás, evoluem por provas cada vez mais difíceis do corpo humano suportar (e do espectador tolerar o espetáculo real desse mondo cane).

Mas, do outro lado da cadeia, existe a relação com o filho. Inicialmente, de repulsa: ao ver o pai jogado no chão e ter que limpar seu vômito, é pela obstinação em ser outra pessoa, em se desfazer da linhagem, que Minha Mágica estabelece o personagem do menino. E, apesar de fácil, é de aguda beleza ver o processo de compreensão, por parte do menino, da arte perdida do pai, que vai aos poucos ensinando sua mágica e que vira o diferencial do menino em seu colégio (ao invés de apanhar ou fazer os deveres de casa dos outros, ele passa a impressionar seus colegas com as mágicas aprendidas do pai). Daí o dilema, que o filme sabiamente não resolve: de um lado, espetáculo extremo da decadência e dos sentimentos violentos; do outro, o sentimentalismo do drama familiar. Tudo sem o menor comedimento, sem notas intermediárias. Da tensão entre esses humores contrastantes, nasce o charme do filme.

Um charme que atinge a condição de real beleza no fim, quando uma fotografia – montada – faz surgir na imaginação do filho um passado ao qual ele não teve acesso: pai e mãe, juntos, fazendo espetáculos de mágica cheios de pompa, vestidos adequadamente para o grande espetáculo, ostentando juventude e vigor. Essa seqüência, a última, esconde outra, a do futuro do menino órfão, que o filme naturalmente não mostra e dá apenas a nós, encantados pelas cores das cortinas vermelhas que se fecham ao fim, para imaginar. A tensão entre sutil e duro, belo e feio, persiste agora não mais no corpo do pai, mas no futuro do filho entre um passado mitológico e um presente sem possibilidades. Fazer brotar a ingenuidade dessa forma, fazer surgir o cândido a partir do vermelho do sangue e do escuro da sujeira, é algo digno do maior respeito possível. Fazer viver de modo frontal dois códigos cinematográficos opostos (e que possivelmente fazem metáfora com o próprio fazer cinematográfico, arte, beleza, comércio, exploração – sem no entanto entrar em modo discursivo) é o que faz de Minha Mágica um filme notável.

Ruy Gardnier

 

 
 





Pai e filho em Minha Mágica, de Eric Khoo