Muitos antes dos atentados de 11 de
setembro, as torres gêmeas do World Trade Center foram alvo de uma incursão
igualmente cinematográfica: o “golpe” de Philippe Petit para realizar seu sonho
de andar numa corda suspensa entre os dois prédios. Sem fazer uma menção sequer
à tragédia de 2001, Homem Equilibrista se alimenta de um fascínio com a
figura de Petit que parte sobretudo dos extensos registros que o próprio possui
de seu passado. Filmagens e fotografias preenchem as narrativas verbais dos entrevistados
conferindo uma vivacidade impressionante para o que poderia ser apenas relato e
reconstituição dramática. Se Petit é uma obra de arte em si mesmo, ao desafiar
as leis da Física e das instituições para, com seu corpo, realizar movimentos que
denotam um olhar específico sobre o mundo e sobre a vida, suas inúmeras imagens
de arquivo são o manancial autêntico para a ficção que aguardava para ser
criada. E o que James Marsh elabora a partir deste material é um filme de
tensão dramática impressionante, em que o suspense dá o tom de uma aventura que
ignora os parâmetros sociais e os limites que o homem estabelece para sua
espécie.
Por certo, o grande mérito de Homem
Equilibrista está na montagem, capaz de reunir imagens de natureza
absolutamente diversas num único todo uniforme profundamente cinematográfico.
Seja pelo carisma do personagem transgressor em frente à câmera, seja pelo
ritmo que imprime às ações, o filme demonstra um total domínio do potencial narrativo
de suas imagens. James Marsh parece ter identificado na extraordinária figura
de Petit o gênero de personagem que invade a tela e transcende julgamentos com
a força de sua personalidade e de seu estar no mundo. Pois em nenhum momento o
filme descamba para sua defesa, ou mesmo para ponderações sobre seus atos
baseadas no contraponto entre depoimentos. Tampouco importam as conseqüências dos seus atos: as instâncias repressoras e os julgamentos limitadores estão à espreita a todo instante, mas verdadeiramente fora de campo. O que está de fato em jogo
é a engenhosa concepção de um outro mundo dentro do nosso mundo, uma natureza à
parte construída em imagens, que, embora documentais, não parecem originar-se
na realidade, mas num universo mental, num delírio artístico compartilhado por
testemunhas de fé.
Tatiana Monassa
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