LIVERPOOL
Lisandro Alonso, Argentina/Holanda/França/Espanha/Alemanha, 2008

Há quatro anos, em Los Muertos, víamos um homem acender um fogo sob a colméia que achara no meio da selva. As abelhas saíam, ele enfiava a mão na colméia, colhia os favos de mel e se alimentava. Era uma ação viva e feroz, que apresentava o personagem em sua totalidade; a energia esparramada pela lentidão pantanosa do filme encontrava ali um centro de calor. Agora, em Liverpool, um outro homem está sentado à mesa de um restaurante. Ele enche o copo com cerveja, apanha da bolsa uma garrafa de vodka, olha para os lados, acrescenta vodka à cerveja. Tinha tudo para ser um momento de semelhante imantação ao personagem, mas de alguma forma a ação foi destituída de sua singularidade: os gestos são mecânicos, no lugar de um homem vemos um robô sem vida e sem alma.

O olhar do diretor Lisandro Alonso (de virtudes limitadas) segue o tom desse gestual empalhado e frio, buscando se anular no espaço – ele beira a neutralidade da vigilância em alguns momentos – da mesma maneira que Farrel, seu personagem, se anula no mundo. O plano pseudo-fordiano (o filme, aliás, tem claros elementos de western) em que Farrel se despede da filha e sai andando até sumir ao longe oficializa esse olhar: o que fica é a atmosfera, o espaço; o personagem desaparece. As únicas coisas que de fato ganham corpo no filme são as locações – o cais lamacento, o restaurante precário, o organismo de ferro e tubos do navio, as paisagens geladas do trajeto de carro. A chegada ao lugar do passado do personagem não abre a possibilidade de conflito, o drama permanece tão subjacente quanto nulo; o filme está preso à ficção evasiva de um presente assignificante, entre a opacidade glacial da paisagem e a pura sensação física dos espaços. Um abismo de passado ilumina o caminho de Farrel, mas ele desliza sobre a superfície morta de um presente igualmente morto. A própria natureza parece anestesiada, sem a força de confronto, luta, desafio – ou mesmo acordo – que possuía em Los Muertos. O homem é a verdadeira paisagem abandonada de Liverpool, e o que Alonso dá em troca é muito pouco.

Luiz Carlos Oliveira Jr.