Há quatro
anos, em Los Muertos, víamos um homem acender
um fogo sob a
colméia que achara no meio da selva. As abelhas saíam, ele enfiava a mão na
colméia, colhia os favos de mel e se alimentava. Era uma ação viva e feroz, que
apresentava o personagem em sua totalidade; a energia esparramada pela lentidão
pantanosa do filme encontrava ali um centro de calor. Agora, em Liverpool,
um outro homem está sentado à mesa de um restaurante. Ele enche o copo com cerveja,
apanha da bolsa uma garrafa de vodka, olha para os lados, acrescenta
vodka à cerveja. Tinha tudo para ser um momento de semelhante imantação ao personagem,
mas de alguma forma a ação foi destituída de sua singularidade: os
gestos são mecânicos, no lugar de um homem vemos um robô sem vida e sem alma.
O olhar do diretor Lisandro Alonso (de virtudes limitadas) segue o tom desse
gestual empalhado e frio, buscando se anular no espaço – ele beira a neutralidade
da vigilância em alguns momentos – da mesma maneira que Farrel, seu personagem,
se anula no mundo. O plano pseudo-fordiano (o filme, aliás, tem claros elementos
de western) em que Farrel se despede da filha e sai
andando até sumir ao longe oficializa esse olhar: o que fica é a atmosfera, o
espaço; o personagem desaparece. As únicas coisas que de fato ganham
corpo no filme são as locações – o cais lamacento, o restaurante
precário, o organismo de ferro e tubos do navio, as paisagens geladas do trajeto
de carro. A chegada ao lugar do passado do personagem não abre a possibilidade
de conflito, o drama permanece tão subjacente quanto nulo; o
filme está preso à ficção evasiva de um presente assignificante, entre a opacidade
glacial da paisagem e a pura sensação física dos espaços. Um abismo de passado
ilumina o caminho de Farrel, mas ele desliza sobre a superfície morta de um presente
igualmente morto. A própria natureza parece anestesiada,
sem a força de confronto, luta, desafio – ou mesmo acordo – que possuía em Los
Muertos. O homem é a verdadeira paisagem abandonada de Liverpool,
e
o que Alonso dá em troca é muito pouco.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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