Janela 2.35:1, câmera na mão colada no corpo. Com apenas essas
duas informações é possível dar conta de Gomorra, longa-metragem de
Matteo Garrone centrado na situação da máfia napolitana nos dias de hoje. Partindo
de personagens que, alçados à condição de dispositivo, operam a incursão do
filme (e do espectador) no universo trabalhado, Garrone compõe um circuito-painel
das diversas atividades que se articulam direta ou indiretamente a este tipo de
organização criminosa. Acompanhamos, assim, de forma independente, as
perambulações de um adolescente que faz pequenos trabalhos para um grupo de
traficantes, dois jovens aspirantes ao crime não interessados em respeitar as
hierarquias que este impõe, um alfaiate que decide prestar secretamente
serviços aos chineses, um representante do alto escalão da máfia, além de um
contador encarregado de distribuir dinheiro às famílias de membros da máfia
presos ou mortos.
Durante praticamente todo o filme, essas tramas simplesmente
não se conectam, o que denota um evidente desejo de Garrone em aproximar-se delas
(e de seus personagens) individualmente, sem submetê-las, a princípio, à força
motora maior de seu filme, o lugar problemático da criminalidade no mundo
contemporâneo. Centrar-se na individualidade dos corpos, percorrer os espaços
junto com estes, aproveitando-se da extensão lateral do cinemascope para dar
aos planos uma maior liberdade no registro dos espaços. Se a teoria é perfeita,
o resultado, na prática, é nada mais que estéril: Garrone ignora que o cinemascope,
apesar de oferecer um recorte “maior” sobre o mundo, acaba invariavelmente originando
uma imagem mais estilizada – o que torna as cenas do filme simplesmente
confusas, sem que haja nenhum sentido revelador maior naquilo. Ignora também
que, para se obter uma tensão pulsante à maneira dos irmãos Dardenne, por
exemplo, não basta apenas colar a câmera nos personagens, sendo necessário
também um roteiro de situações bem encadeadas por meio de uma lógica de
tempo-espaço implacável – algo que o diretor definitivamente não domina, como
atesta a montagem desconjuntada, espatifada num pretenso realismo que não leva
a lugar algum.
Mesmo optando pela janela mais extensa, portanto, Garrone
acaba na maior parte do tempo simplesmente apontando sua câmera para o nada: nem
a pulsão dos corpos, nem um diagrama inteligível das atividades da máfia; nem a
urgência da câmera na mão, nem uma ocasional conclusão moral ou política (ou conclusão
qualquer que seja) sobre o assunto em cima do qual o filme se debruça. E os
dados concretos sobre as atividades da máfia que Garrone exibe logo antes dos
créditos finais, dando a entender que sua inclinação está de fato menos para o
retrato afetivo que para o denuncismo barato, somente rearfirmam essa condição
de um discurso vazio que Gomorra parece assumir para si tanto em suas
pretensões políticas como cinematográficas.
Calac Nogueira
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