Haveria guerra mais legítima do que
aquela contra a mediocridade artística? Em meio a tantos filmes que se apóiam
em estratégias desgastadas para estabelecer suas narrativas, Bertrand Bonello
aposta na dramatização da dificuldade criativa através do processo de busca de
uma linguagem, que transforma-se numa meta-crise autobiográfica. Pois, para seu
alter-ego Bertrand, não é apenas de viver a vida que se trata. Viver seria
poder traduzir o sentimento de estar vivo em alguma espécie de expressão
estética que preencha o vazio de significação inerente à consciência da
existência. Ao dizer em determinado momento que, em seu refúgio da
regulamentação social baseada na funcionalidade, ele pratica “a existência pura”,
o personagem evidencia aquilo que o próprio processo do filme busca angustiadamente.
Se conhecemos expressões dramáticas para o choro e para o riso, captar a
perplexidade de um estado sem nome, visitado pela inquietude e banhado por um êxtase
interior sem causa concreta, parece uma quimera que o cinema nunca ousa confrontar
diretamente. Pois todos os estados de graça cinematográficos que conhecemos
advêm como conseqüências de outras construções, nunca se apresentam como objeto puro.
No entanto, quando a preocupação com
o efeito paralisa o próprio fazer, como suplantar o excesso de auto-consciência
reflexiva? A guerra a ser travada é então aquela contra o próprio conhecimento
do cinema, de sua história e de suas artimanhas, pela libertação de circuitos
de pensamento viciados, que tendem a formatar as imagens a partir de uma gama
de padrões mais ou menos reconhecíveis. Ao realizar Na Guerra, Bonello
parece não apenas confrontar um estado d’alma depressivo às voltas com sua
inadequação ao meio. Pois mais do que o comentário sobre a inserção ordinária
num complexo social que tende à aniquilação das diferenças, é a própria
dificuldade do filme consigo mesmo que constitui sua linha central. Na
Guerra é um filme em luta por uma imagem, por um som, por um movimento que
o justifique como mais um filme entre tantos outros. E esta batalha,
perceptível na forma como ele se debate a cada cena para transmitir alguma
emoção que cintile, que quebre a placidez dos planos e provoque algum tipo de
faísca em quem assiste, não pressupõe necessariamente uma vitória final, mas um
processo que se desvela.
Na Guerra é o filme
problemático por excelência. Se as inspirações baratas em baluartes do mais
fino do cinema contemporâneo como Últimos Dias, de Gus Van Sant, e Mal
dos Trópicos, de Apichatpong Weerasethakul, incomodam bastante num primeiro
momento, por outro lado, é impossível não achar instigante o fato de estarem lá,
uma vez que a dificuldade em encontrar uma expressão original parece pautar o
filme do início ao fim. Da mesma forma, a auto-indulgência patente de Bonello,
especialmente no que diz respeito à montagem, que opta por não descartar planos
perfeitamente desnecessários, além de excessivos, aparentemente por capricho,
põe em evidência um autor em crise com sua própria autoralidade e, por que não
dizer, também com o seu fazer artístico-criativo.
Tateando, em busca de uma nota num
tom sublime, entre cenas perfeitamente naturalistas, como Bertrand levando suas
roupas à lavanderia, ou recebendo sua mãe em seu apartamento, e outras
totalmente oníricas, como a mulher nua com uma máscara que adentra um lago, Bonello
talvez encontre este quê a mais na intensidade cristalina de seus atores: Mathieu
Amalric, Asia Argento, Clotilde Hesmé, Guillaume Depardieu. Nos diálogos que proferem
com tamanha entrega, sublimando a articulação perfeita das palavras, somos
transportados para um outro lugar. Como na belíssima cena em que Bertrand
retorna à cidade e reencontra Louise na loja de discos; ali, algo de
outra ordem se produz: todo o circuito de expectativas de ação-reação se
dissipa por completo e uma motivação quase desconhecida vem à tona. O desejo secreto
de uma vivência compartilhada além das ações, experienciada no limite do
inteligível. Não seria este o único troféu pelo qual valeria continuar guerreando
pelo cinema, contra todos os “inimigos” neste fronte imaginário?
Tatiana Monassa
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