"De que é feito um gênero?” é a pergunta que se coloca após
um filme como Call Girl. Para Antônio-Pedro Vasconcelos, a resposta
definitivamente não está nas relações de mise-en-scène que um filme estabelece,
mas numa superfície de encenação. Aqui, no caso, trata-se do que convencionamos
chamar de “cinema policial”, e estão lá todos os elementos que ao longo de anos
ajudaram a fundar a idéia deste gênero específico: os tiras, as redes de
corrupção envolvendo diversas esferas de poder, a femme fatale acompanhada pelo olhar voyeurístico da câmera, os diálogos cheios de frases colocadas,
que ensaiam amostras de filosofia barata. Mais do que sua simples presença, no
entanto, o que mais chama atenção aqui é a forma esses elementos são
trabalhados, a limpidez com que são transpostos do cinema americano que os
confeccionou para a realidade de um outro país (Portugal), justamente num tempo
em o auto-esclarecimento dá o tom nos processos de assimilação cultural. O que Call
Girl parece se manifestar então é uma crença numa espécie de condição
transcendente da idéia de gênero, em sua persistência em um estado de pureza
para além da passagem do tempo e dos confrontos que estabelece com as culturas
que atravessa.
Nesse sentido, não há no filme inteiro cena mais emblemática
do que aquela em que Mouros e Maria ensaiam as falas dela para um jantar de
negócios e o “Boa noite, senhor presidente” deve soar exatamente à
maneira do “Happy Birthday, Mr. President” de Marylin Monroe ao
presidente americano John Kennedy. É uma cena que resume todo o esforço do
filme, sua própria vontade de cinema, que se restringe aqui a um desejo por
encenar as referências absorvidas do cinema americano. E o resultado não
poderia ser mais tedioso, já que isso tudo remete a um cenário essencialmente
estático: dos movimentos do roteiro aos trejeitos dos personagens, tudo soa
fortemente auto-centrado (e vazio mesmo), como se o filme acreditasse que a
mera presença desses elementos fosse capaz de produzir algo em termos
estéticos. Em busca da pureza do gênero, que aqui nada mais é do que a busca
pelo clichê (o que não é necessariamente um problema, desde que saiba-se
trabalhá-lo), Antônio-Pedro Vasconcelos acaba caindo num cenário de fantasmas,
signos vazios que se encerram em sua própria superfície e que limitam qualquer
tipo de olhar mais profundo sobre aquele mundo.
Calac Nogueira
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