Depois de alguns anos alternando episódios de sua trilogia
dos grandes ditadores do século XX com outros dois filmes que compõem o que se
poderia chamar de um ciclo de histórias familiares (Pai e Filho e Mãe
e Filho), Aleksandr Sokurov parece propor aqui uma espécie de junção desses
dois eixos temáticos. Pois ao mesmo tempo em que Alexandra poderia
facilmente ser tomado como o terceiro episódio da série “familiar” do diretor,
por tratar da relação entre uma avó e um neto, por outro lado, nele figuram elementos
como o trabalho cuidadoso com o contexto histórico no extra-campo, associado a
uma proposta de desconstrução do mito militar.
Partindo deste cenário em retrospecto, Sokurov faz um filme
de percurso, no qual os olhares da câmera e da personagem estão profundamente
ligados. Ao longo de todo o filme, Alexandra, a avó que visita o neto em um
quartel instalado pelo exército russo na área ocupada da Chechênia, é nossa âncora neste
universo – e seus encontros e relações transitórias que se constituem a partir
deles, nossa base para a compreensão da história. Com seu olhar restrito e
parcial sobre o mundo e as situações que a cercam, a personagem tateia os
ambientes, exatamente como a câmera – como atestam não apenas os planos ponto-de-vista,
abundantes, mas o próprio desequilíbrio de certos enquadramentos frente aos
corpos e objetos que cruzam o espaço, traduzindo na imagem a instabilidade de Alexandra
frente a um ambiente que não domina por completo.
Tudo isso aponta para um projeto estético em certa
medida até bastante consistente. Mas o que Alexandra guarda debaixo dos
tons amarronzados que recobrem seus planos, dentro dessa estrutura que se faz
por meio de encontros e visões, é um vazio que nos induz a pensá-lo de fato
como uma continuação do equivocado Pai e Filho, de 2003. É comum a estes
dois filmes uma percepção visual aplicada como uma espécie de torção formal sobre os
personagens, no sentido de deslocar os eixos de suas relações. Isso fica bastante
visível no caso de Alexandra por se tratar de um filme que parte de
esquemas de roteiro bastante simples – os jogos de opostos que surgem da
presença da avó em um ambiente contrastante não apenas com ela própria, mas com
a idéia que deposita sobre aquele espaço – e que parece querer sempre desestabilizar
as relações entre os personagens, revirá-las no interior da imagem, em busca de uma revelação que
jamais surge.
Em Pai e Filho, filme que lança mão de efeitos na
fotografia até bastante similares aos de Alexandra, essa procura por um
deslocamento interno dos relacionamentos, que se traduz em verdade numa busca
por dar a eles um tom de indiscernibilidade, levou muitos a enxergarem
um teor homoerótico na relação entre o pai e o filho que protagonizam a
história. Com homoerotismo ou não, aquele era um filme que se refugiava na
não-linearidade e na busca por uma poética individualizada das cenas para
esconder um formalismo vazio que agora parece retornar em Alexandra. Para onde nos dirigimos ao longo do percurso que realizamos com a personagem? Que
relação é de fato aquela entre avó e neto? Quais sensações Sokurov quer nos fazer
experimentar? O que pensa ele das relações entre Rússia e Chechênia? São
perguntas que permanecem após o final do filme, o que nos faz pensar que o
cinema de Sokurov talvez se assente melhor mesmo na figura nebulosa dos mitos,
como atesta aquele que talvez seja seu melhor filme, o recente O Sol.
Calac Nogueira
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