VICKY CRISTINA BARCELONA
Woody Allen, EUA/Espanha, 2008

Match Point: o rapaz entra na sala, ela pergunta “quem é a próxima vítima?”. Ela está de branco. O repertório de Scarlett Johansson basicamente não muda ao longo do filme. Ela abaixa o olhar, fica tímida, é um anjo. Depois levanta o rosto, morde o lábio, é um diabo novamente. O filme, impulsionado pelas aparições da atriz, desencadeia o trágico em estado impuro: não uma descrição da fatalidade, mas uma crítica derrisória dos homens (parafraseando o elogio de Mourlet à tragédia pura em Lang).

Vicky Cristina Barcelona: Cristina/Johansson sai para pegar aspirinas na bolsa, a câmera a acompanha no trajeto de ida e volta, até que ela encontra Juan Antonio/Bardem sendo massageado pela ex-mulher (Maria Elena/Penélope Cruz). Ocorre então o contra-plano de Cristina, sua reação à cena. O sol, que até ali era um bálsamo suave para aquela tarde de piquenique, de repente explode atrás do rosto de Cristina. A bela Scarlett Johansson talvez nunca tenha sido tão exigida quanto nesse plano. A seqüência inteira é o movimento natural e fulgurante de uma mise en scène luminosa, solar, que encaminha o universo físico dos corpos e o tumulto interno dos sentidos a uma mesma forma, alcançando – ao guardar a materialização do conflito para o instante culminante – um equilíbrio aparente em necessária oposição a uma vida sentimental que é infinito caos. Se o plano surge como uma percepção exata do momento, é porque o diretor olha com atenção – na falta de uma palavra que resuma tudo que ele concentra nesse olhar – para sua atriz. Não custa lembrar que foi por causa do rosto de Mary Pickford que Griffith inventou o close-up.

Esse mundo substancial de Vicky Cristina Barcelona, onde veleidades e impulsos se chocam para compor a matéria dramática do filme, consegue se impor apesar da trajetória das personagens ser apenas o detalhamento da apresentação inicial feita pelo narrador. Corrijo: esse mundo se impõe justamente porque a trajetória comprova a descrição inicial. Woody Allen filmou um conto moral desenvolvido na abertura temporal da vacância das personagens; o período de férias representa busca e aprendizagem, mas, ao contrário de como seria em Rohmer, não faz da dilatação de uma espera a condição para a revelação cósmica final.

Mesmo em seus momentos mais frágeis nesta década (penso em Melinda e Melinda, particularmente), Allen nunca deixou de dominar a arte do retrato e do tipo – e continua dominando, basta ver a caracterização do marido de Vicky ou a narrativa cuja estrutura não difere em muito de uma foto-novela. Mas é quando essa arte se une à alquimia total que condensa o mundo dos personagens, a luz de uma estação, a atmosfera das locações, o ar do tempo, é nesse momento que Woody Allen faz um grande filme.

Luiz Carlos Oliveira Jr.