Match Point: o rapaz entra na sala, ela pergunta
“quem é a próxima
vítima?”. Ela está de branco. O
repertório de Scarlett Johansson basicamente
não muda ao longo do filme. Ela abaixa o olhar, fica
tímida, é um anjo. Depois
levanta o rosto, morde o lábio, é um diabo
novamente. O filme, impulsionado
pelas aparições da atriz, desencadeia o
trágico em estado impuro: não uma
descrição da fatalidade, mas uma
crítica derrisória dos homens (parafraseando o
elogio de Mourlet à tragédia pura em Lang).
Vicky Cristina Barcelona: Cristina/Johansson sai
para pegar aspirinas na
bolsa, a câmera a acompanha no trajeto de ida e volta,
até que ela encontra
Juan Antonio/Bardem sendo massageado pela ex-mulher (Maria
Elena/Penélope
Cruz). Ocorre então o contra-plano de Cristina, sua
reação à cena. O sol, que
até ali era um bálsamo suave para aquela tarde de
piquenique, de repente
explode atrás do rosto de Cristina. A bela Scarlett
Johansson talvez nunca
tenha sido tão exigida quanto nesse plano. A
seqüência inteira é o movimento
natural e fulgurante de uma mise en scène
luminosa, solar, que encaminha
o universo físico dos corpos e o tumulto interno dos
sentidos a uma mesma
forma, alcançando – ao guardar a
materialização do conflito para o instante
culminante – um equilíbrio aparente em
necessária oposição a uma vida
sentimental que é infinito caos. Se o plano surge como uma
percepção exata do
momento, é porque o diretor olha com
atenção – na falta de uma palavra que
resuma tudo que ele concentra nesse olhar – para sua atriz.
Não custa lembrar
que foi por causa do rosto de Mary Pickford que Griffith inventou o
close-up.
Esse mundo substancial de Vicky Cristina Barcelona,
onde veleidades e
impulsos se chocam para compor a matéria
dramática do filme, consegue se impor
apesar da trajetória das personagens ser apenas o
detalhamento da apresentação
inicial feita pelo narrador. Corrijo: esse mundo se impõe justamente
porque
a trajetória comprova a descrição
inicial. Woody Allen filmou um conto moral
desenvolvido na abertura temporal da vacância das
personagens; o período de
férias representa busca e aprendizagem, mas, ao
contrário de como seria em
Rohmer, não faz da dilatação de uma
espera a condição para a
revelação cósmica
final.
Mesmo em seus momentos mais frágeis nesta década
(penso em Melinda e Melinda,
particularmente), Allen nunca deixou de dominar a arte do retrato e do
tipo – e
continua dominando, basta ver a caracterização do
marido de Vicky ou a
narrativa cuja estrutura não difere em muito de uma
foto-novela. Mas é quando
essa arte se une à alquimia total que condensa o mundo dos
personagens, a luz
de uma estação, a atmosfera das
locações, o ar do tempo, é nesse
momento que
Woody Allen faz um grande filme.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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