PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO
Errol Morris, Standard Operating Procedure, EUA, 2008

Closes frontais em rostos sobre um fundo neutro. A aparente objetividade da forma de registro eleita por Errol Morris esvaece à medida que ouvimos cada personagem falar – algo que os cortes bruscos para alterar levemente o enquadramento dos depoimentos e as eventuais telas pretas parecem querer evidenciar. Pouco a pouco, um labirinto sem início nem fim se delineia; um labirinto lógico cujo desdobramento se mostra capaz da mais profunda desorientação. Os recursos dramáticos duvidosos empregados por Morris, como a re-encenação minimalista e quase sensacionalista de fatos narrados e o gosto pela música climática ao extremo, não concorrem nem de longe para a facilidade de direcionamento. A ilustração e a imposição de uma tonalidade emotiva constroem cinematograficamente uma certa idéia de realidade, mas nunca chegam a se sobrepor ao verdadeiro interesse do cineasta: buscar um possível não-lugar do discurso. Da mesma forma que se faz ausente da intervenção que propõe junto aos personagens, Morris tenta transcender a própria colocação destes para indagar o lugar e o posicionamento que suas falas sobre si deixariam transparecer em sua enunciação mesma.

O que se anuncia como uma investigação sobre as fotografias e vídeos feitos em Abu Ghraib torna-se então um mergulho insano na banalidade do dia a dia de oficiais que, sobretudo por razões circunstanciais, contribuíram para erguer o circo de horrores promovido na prisão em questão. Conforme acompanhamos as falas de cada um, na progressão cuidadosa do nível de violação dos direitos humanos criada pela montagem, experimentamos uma crise de parâmetros profunda. As explicações perfeitamente compreensíveis de cada personagem mesclam-se indefinidamente com um tom indiscernível entre a crítica e a justificativa. O resultado é a mais completa perplexidade. Perplexidade advinda da incógnita que paira sobre o lugar do discurso, justamente.

A outra face da inquietude é fronteira imperceptível entre as noções de “crime” e “procedimento operacional padrão”, que por mais que a articulação dos entrevistados tente tornar clara, o filme trata de engenhosamente apagar. A sanidade e naturalidade da fala dos personagens transportam a lógica “do humano” para um universo paralelo, cuja presença ativa no centro da política internacional é, sem dúvida, aterradora. Por outro lado, o aspecto icônico das fotografias erige uma espécie de escudo em relação à realidade, que parece funcionar tanto para os personagens quanto para o filme, que nunca almeja expor a crueza dos fatos propriamente. E é justamente na criação deste escudo que Morris se baseia: a confecção de imagens pelos envolvidos na tortura de prisioneiros é uma produção narrativa que redefine a relação estabelecida com o mundo. Teria a facilidade de produzirem-se imagens no contemporâneo trazido um meta-olhar aparentado à ficção cinematográfica para o seio da vivência do real? Especulações à parte, é fato que a realidade dissimulada por diferentes camadas de ficcionalização discursiva em Procedimento Operacional Padrão é muito mais perturbadora e desconcertante do que a assumida dramatização com efeitos revelatórios de Brian de Palma em Redacted.


Tatiana Monassa