Closes frontais em rostos sobre um
fundo neutro. A aparente objetividade da forma de registro eleita por Errol
Morris esvaece à medida que ouvimos cada personagem falar – algo que os cortes
bruscos para alterar levemente o enquadramento dos depoimentos e as eventuais
telas pretas parecem querer evidenciar. Pouco a pouco, um labirinto sem início
nem fim se delineia; um labirinto lógico cujo desdobramento se mostra capaz da
mais profunda desorientação. Os recursos dramáticos duvidosos empregados por
Morris, como a re-encenação minimalista e quase sensacionalista de fatos
narrados e o gosto pela música climática ao extremo, não concorrem nem de longe
para a facilidade de direcionamento. A ilustração e a imposição de uma
tonalidade emotiva constroem cinematograficamente uma certa idéia de realidade,
mas nunca chegam a se sobrepor ao verdadeiro interesse do cineasta: buscar um
possível não-lugar do discurso. Da mesma forma que se faz ausente da
intervenção que propõe junto aos personagens, Morris tenta transcender a
própria colocação destes para indagar o lugar e o posicionamento que suas falas
sobre si deixariam transparecer em sua enunciação mesma.
O que se anuncia como uma
investigação sobre as fotografias e vídeos feitos em Abu Ghraib torna-se então
um mergulho insano na banalidade do dia a dia de oficiais que, sobretudo por
razões circunstanciais, contribuíram para erguer o circo de horrores promovido na
prisão em questão. Conforme acompanhamos as falas de cada um, na progressão
cuidadosa do nível de violação dos direitos humanos criada pela montagem, experimentamos
uma crise de parâmetros profunda. As explicações perfeitamente compreensíveis
de cada personagem mesclam-se indefinidamente com um tom indiscernível entre a
crítica e a justificativa. O resultado é a mais completa perplexidade.
Perplexidade advinda da incógnita que paira sobre o lugar do discurso,
justamente.
A outra face da inquietude é
fronteira imperceptível entre as noções de “crime” e “procedimento operacional
padrão”, que por mais que a articulação dos entrevistados tente tornar clara, o
filme trata de engenhosamente apagar. A sanidade e naturalidade da fala dos
personagens transportam a lógica “do humano” para um universo paralelo, cuja
presença ativa no centro da política internacional é, sem dúvida, aterradora. Por
outro lado, o aspecto icônico das fotografias erige uma espécie de escudo em
relação à realidade, que parece funcionar tanto para os personagens quanto para
o filme, que nunca almeja expor a crueza dos fatos propriamente. E é justamente
na criação deste escudo que Morris se baseia: a confecção de imagens pelos
envolvidos na tortura de prisioneiros é uma produção narrativa que redefine a
relação estabelecida com o mundo. Teria a facilidade de produzirem-se imagens no
contemporâneo trazido um meta-olhar aparentado à ficção cinematográfica para o
seio da vivência do real? Especulações à parte, é fato que a realidade
dissimulada por diferentes camadas de ficcionalização discursiva em Procedimento
Operacional Padrão é muito mais perturbadora e desconcertante do que a assumida
dramatização com efeitos revelatórios de Brian de Palma em Redacted.
Tatiana Monassa
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