Quem Quer Ser um Milionário? foi propagandeado como o filme que traduziria Bollywood para o público
ocidental, tornando a estética popular indiana algo palatável e consumível do
lado de cá. Mas, ao nos depararmos com o filme, logo percebemos que nenhum dos
traços mais marcantes do cinema indiano está ali: números musicais que
alavancam a história, cores esfuziantes, grandes atores seguindo estereótipos.
Questões de “propaganda enganosa” à parte, na realidade a aproximação de Boyle
com Bollywood se dá pela motivação primeira do roteiro e do filme: uma “fábula”
a partir da idéia de que o destino está escrito, não importa o quão mirabolantes
possam se revelar seus desdobramentos. Máxima inspiradora do melodrama, esta
motivação, no entanto, não serve a Boyle para criar um drama ou uma aventura
repleta de reviravoltas, mas um jogo de tabuleiro, em que cada acontecimento
propulsiona o personagem a uma casa especial, aquela na qual ele ganhará um “bônus”
em dinheiro.
A vida, desta forma, torna-se uma
simples sucessão esquemática de fatos, as experiências de Jamal meras fontes de
informações pontuais que podem alavancar sua situação financeira através de um
quiz de televisão. Na verdade, espanta no filme de Boyle a falta de
organicidade narrativa. O paroxismo da montagem didática de “pingue-pongue” nunca
permite que as histórias mirabolantes do personagem estabeleçam um crescendo e
que o programa televisivo seja, então, o ápice de uma trajetória de
acontecimentos fantásticos. Sendo o jogo o ponto de partida – e o próprio filme
quase se assumindo como um jogo de perguntas e respostas –, todo o resto
empalidece e resume-se a explicações pontuais. E como jogos de perguntas e
respostas nunca são algo muito inspirador, mesmo se forem pra recompensar uma
vida sofrida, o filme perde de saída aquilo que poderia impulsioná-lo.
A seu favor, Boyle tem apenas uma retratação
da pobreza que ganha índices gráficos não-usuais. De fato, Quem Quer Ser um
Milionário? pouco preocupa-se com a feiúra daquilo que mostra. E talvez o mesmo
possa ser dito sobre a forma do filme. Afinal, o grande atrativo do cinema de
Boyle sempre foi este abandono do “bom gosto” e das maneiras mais indicadas de
se filmar uma certa coisa – ainda que muitas vezes ele incorresse em deslizes de
causar vergonha. Neste filme, porém, este “mau gosto” não encontra a coerência
de uma proposição ficcional consistente, apesar dos raros momentos em que a narração
exagerada abre espaços para os personagens ganharem um pouco mais de vida.
Tatiana Monassa
|