QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?
Danny Boyle, Slumdog Millionaire, Reino Unido, 2008

Quem Quer Ser um Milionário? foi propagandeado como o filme que traduziria Bollywood para o público ocidental, tornando a estética popular indiana algo palatável e consumível do lado de cá. Mas, ao nos depararmos com o filme, logo percebemos que nenhum dos traços mais marcantes do cinema indiano está ali: números musicais que alavancam a história, cores esfuziantes, grandes atores seguindo estereótipos. Questões de “propaganda enganosa” à parte, na realidade a aproximação de Boyle com Bollywood se dá pela motivação primeira do roteiro e do filme: uma “fábula” a partir da idéia de que o destino está escrito, não importa o quão mirabolantes possam se revelar seus desdobramentos. Máxima inspiradora do melodrama, esta motivação, no entanto, não serve a Boyle para criar um drama ou uma aventura repleta de reviravoltas, mas um jogo de tabuleiro, em que cada acontecimento propulsiona o personagem a uma casa especial, aquela na qual ele ganhará um “bônus” em dinheiro.

A vida, desta forma, torna-se uma simples sucessão esquemática de fatos, as experiências de Jamal meras fontes de informações pontuais que podem alavancar sua situação financeira através de um quiz de televisão. Na verdade, espanta no filme de Boyle a falta de organicidade narrativa. O paroxismo da montagem didática de “pingue-pongue” nunca permite que as histórias mirabolantes do personagem estabeleçam um crescendo e que o programa televisivo seja, então, o ápice de uma trajetória de acontecimentos fantásticos. Sendo o jogo o ponto de partida – e o próprio filme quase se assumindo como um jogo de perguntas e respostas –, todo o resto empalidece e resume-se a explicações pontuais. E como jogos de perguntas e respostas nunca são algo muito inspirador, mesmo se forem pra recompensar uma vida sofrida, o filme perde de saída aquilo que poderia impulsioná-lo.

A seu favor, Boyle tem apenas uma retratação da pobreza que ganha índices gráficos não-usuais. De fato, Quem Quer Ser um Milionário? pouco preocupa-se com a feiúra daquilo que mostra. E talvez o mesmo possa ser dito sobre a forma do filme. Afinal, o grande atrativo do cinema de Boyle sempre foi este abandono do “bom gosto” e das maneiras mais indicadas de se filmar uma certa coisa – ainda que muitas vezes ele incorresse em deslizes de causar vergonha. Neste filme, porém, este “mau gosto” não encontra a coerência de uma proposição ficcional consistente, apesar dos raros momentos em que a narração exagerada abre espaços para os personagens ganharem um pouco mais de vida.


Tatiana Monassa