SIMPLESMENTE FELIZ
Mike Leigh, Happy-Go-Lucky, Reino Unido, 2008

Quais as imagens da felicidade? Talvez elas não sejam exatamente as mesmas que Mike Leigh nos oferece em Simplesmente feliz, mas não deixa de ser louvável um filme que se proponha não apenas a procurá-las como fazer delas a razão de sua própria existência. Se é possível apontar, rejeitar e até mesmo criticar as escolhas feitas por Leigh com relação à sua personagem e seu mundo cor-de-rosa, tudo isso é muito bom porque não deixa de supor da parte do filme uma postura em assumir suas próprias escolhas: a felicidade aqui não é relativa, ela é uma imagem – uma imagem que o filme talvez tenha ido buscar escondida no fim de alguma publicidade, mas é aquela que ele conhece e que se propõe a apresentar.

Vamos às imagens. Poppy tem 30 anos, é professora infantil e faz bom uso de sua solterice divertindo-se junto com suas amigas. Fala sozinha e explode em simpatia e graça com cada estranho que aparece. Semanalmente se exercita em uma cama elástica e, além disso, usa roupas de cores e formas berrantes, em um figurino que boa parte do tempo se contrapõe à discrição na forma de os outros personagens se vestirem. A primeira seqüência vem como uma ilustração quase didática disto: numa livraria, Poppy cumprimenta insistentemente o atendente, que a ignora. Sem perder o humor, ela folheia alegremente um livro e outro. Observa um título, “Road to reality”, e sai daí direto para a sessão infantil. “Realidade? Não quero isso”, justifica em voz alta para o bom espectador.

A partir daí outros personagens aparecerão, e a posição de Poppy será questionada. São eles: Scott, o instrutor da auto-escola, e Helen, sua irmã. Eles vêm para que Mike Leigh problematize as coisas, mostrando que, claro, não vivemos sozinhos, que a vida social é uma constante gangorra onde a felicidade de um afeta invariavelmente o humor do outro. Mas a forma como esses personagens são inseridos no mundo colorido de Poppy, e como eles são em si estereótipos exagerados do homem-solitário e da esposa-grávida frustrados, tudo isso faz com que o filme jamais chegue a articular um discurso. Isso é curioso porque, apesar de lançar mão de uma série de recursos óbvios de enunciação, o filme no fundo tem muito pouco ou quase nada a dizer. As linhas são bem definidas e há coerência e funcionalidade no circuito narrativo dos personagens (além de Scott e Helen, ha também Tim, o assistente social por quem Poppy se apaixona, e Tommy, o garoto-problema da escola, que acrescentam elementos ao filme), mas as conclusões, por sua vez, não existem.

As próprias razões para a constante felicidade de Poppy nunca são expostas. Poppy é feliz e ponto (essa é a premissa do filme, na realidade), e é isso que força o filme a criar imagens que dêem conta de uma certa felicidade. Não há percurso lógico e, primeiramente, é preciso respirar as imagens que o filme oferece. Antes de fazer um filme-ensaio sobre as funções sociais da felicidade, Mike Leigh fez uma comédia banal, centrada no mais comum dos recursos, sua personagem. Apenas indo até Poppy é possível dizer se a personagem funciona dentro do mundo do espectador – se seu mundo astral nos faz simpatia e graça ou irritação.


Calac Nogueira