Quais as imagens da felicidade? Talvez elas não sejam exatamente
as mesmas que Mike Leigh nos oferece em Simplesmente feliz, mas não
deixa de ser louvável um filme que se proponha não apenas a procurá-las como fazer
delas a razão de sua própria existência. Se é possível apontar, rejeitar e até
mesmo criticar as escolhas feitas por Leigh com relação à sua personagem e seu
mundo cor-de-rosa, tudo isso é muito bom porque não deixa de supor da parte do
filme uma postura em assumir suas próprias escolhas: a felicidade aqui não é
relativa, ela é uma imagem – uma imagem que o filme talvez tenha ido buscar
escondida no fim de alguma publicidade, mas é aquela que ele conhece e que se
propõe a apresentar.
Vamos às imagens. Poppy tem 30 anos, é professora infantil e
faz bom uso de sua solterice divertindo-se junto com suas amigas. Fala sozinha
e explode em simpatia e graça com cada estranho que aparece. Semanalmente se
exercita em uma cama elástica e, além disso, usa roupas de cores e formas
berrantes, em um figurino que boa parte do tempo se contrapõe à discrição na
forma de os outros personagens se vestirem. A primeira seqüência vem como uma ilustração
quase didática disto: numa livraria, Poppy cumprimenta insistentemente o
atendente, que a ignora. Sem perder o humor, ela folheia alegremente um livro e
outro. Observa um título, “Road to reality”, e sai daí direto para a sessão
infantil. “Realidade? Não quero isso”, justifica em voz alta para o bom
espectador.
A partir daí outros personagens aparecerão, e a posição de
Poppy será questionada. São eles: Scott, o instrutor da auto-escola, e Helen,
sua irmã. Eles vêm para que Mike Leigh problematize as coisas, mostrando que,
claro, não vivemos sozinhos, que a vida social é uma constante gangorra onde a
felicidade de um afeta invariavelmente o humor do outro. Mas a forma como esses
personagens são inseridos no mundo colorido de Poppy, e como eles são em si
estereótipos exagerados do homem-solitário e da esposa-grávida frustrados, tudo
isso faz com que o filme jamais chegue a articular um discurso. Isso é curioso
porque, apesar de lançar mão de uma série de recursos óbvios de enunciação, o
filme no fundo tem muito pouco ou quase nada a dizer. As linhas são bem
definidas e há coerência e funcionalidade no circuito narrativo dos personagens
(além de Scott e Helen, ha também Tim, o assistente social por quem Poppy se
apaixona, e Tommy, o garoto-problema da escola, que acrescentam elementos ao
filme), mas as conclusões, por sua vez, não existem.
As próprias razões para a constante felicidade de Poppy
nunca são expostas. Poppy é feliz e ponto (essa é a premissa do filme, na
realidade), e é isso que força o filme a criar imagens que dêem conta de uma
certa felicidade. Não há percurso lógico e, primeiramente, é preciso respirar
as imagens que o filme oferece. Antes de fazer um filme-ensaio sobre as funções
sociais da felicidade, Mike Leigh fez uma comédia banal, centrada no mais comum
dos recursos, sua personagem. Apenas indo até Poppy é possível dizer se a
personagem funciona dentro do mundo do espectador – se seu mundo astral nos faz
simpatia e graça ou irritação.
Calac Nogueira
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