Depois de fazer umas transposições ridículas da TV para o
cinema, sendo o ponto mais baixo o desastroso Auto da Compadecida, Guel
Arraes finalmente acerta com Romance, espécie de acerto de contas com
seu trabalho televisivo. Não por acaso, celebra a vitória do teatro sobre a TV
no coração dos artistas, e o faz tendo o selo da Globo Filmes por trás.
Letícia Sabatella é a atriz de teatro que emociona o diretor
de TV interpretado por José Wilker. Não tardará para ela ter sua chance e subir
rapidamente na carreira sendo heroína da novela das sete, perdendo, dessa
maneira, o amor de seu namorado (Wagner Moura), um homem que acha impossível
conciliar TV e teatro.
Conciliar. Essa é a palavra chave. Conciliar arte com grande
público, diálogos literários e citações eruditas para um público acostumado a
porcarias sub-televisivas, atuações de globais dentro de uma estrutura
cinematográfica. Conciliar também gerações de atores: Marco Nanini, em uma
participação notável, não chega a encontrar Wilker em cena. Mas temos Wagner
Moura fazendo par romântico com Letícia Sabatella, e Vladimir Brichta com
Andréa Beltrão. Duas atrizes que viveram o auge nos anos 90 – embora estejam
melhores agora – com dois atores desta década, sem que a diferença de idade
entre eles (que no caso de Beltrão e Brichta chega a 13 anos) seja sentida. Um
desafio interessante que Arraes, com a ajuda de Jorge Furtado, enfrenta com
vigor e inteligência.
Alguns diálogos são derivados da TV, outros são espertinhos
em excesso, poéticos na medida certa para não afugentar o grande público. Mas
seria injusto detonar um filme por alguns diálogos fora do tom. Assim como
seria injusto determinar que a interpretação de Moura é exagerada tendo em base
unicamente o começo do filme, quando sua afetação tem a ver com a de um diretor
teatral que se encontra apaixonado não só pela sua arte como pela atriz
descoberta.
Contornar exageros e afetações parece ser uma habilidade
aqui. Além de extrair o melhor de José Wilker, provando o quanto o ator pode
render quando bem dirigido, Arraes consegue, de quebra, a melhor interpretação
da carreira de Letícia Sabatella, e mais uma interpretação arrebatadora de
Andréa Beltrão (que é a melhor coisa de Verônica, de Maurício Farias).
Outro feito do filme é a maneira adulta como lida com as
confusões amorosas. A uma mulher é permitido amar dois homens ao mesmo tempo,
sem conseguir se decidir por um deles. A um homem é factível esperar a decisão
dela sem que fique com a pecha de corno manso. Tudo isso temperado com um tipo
de atuação que se afasta ao menos um pouco do habitual visto na TV.
Sérgio Alpendre
|