ROMANCE
Guel Arraes, Romance, Brasil, 2008

Depois de fazer umas transposições ridículas da TV para o cinema, sendo o ponto mais baixo o desastroso Auto da Compadecida, Guel Arraes finalmente acerta com Romance, espécie de acerto de contas com seu trabalho televisivo. Não por acaso, celebra a vitória do teatro sobre a TV no coração dos artistas, e o faz tendo o selo da Globo Filmes por trás.

Letícia Sabatella é a atriz de teatro que emociona o diretor de TV interpretado por José Wilker. Não tardará para ela ter sua chance e subir rapidamente na carreira sendo heroína da novela das sete, perdendo, dessa maneira, o amor de seu namorado (Wagner Moura), um homem que acha impossível conciliar TV e teatro.

Conciliar. Essa é a palavra chave. Conciliar arte com grande público, diálogos literários e citações eruditas para um público acostumado a porcarias sub-televisivas, atuações de globais dentro de uma estrutura cinematográfica. Conciliar também gerações de atores: Marco Nanini, em uma participação notável, não chega a encontrar Wilker em cena. Mas temos Wagner Moura fazendo par romântico com Letícia Sabatella, e Vladimir Brichta com Andréa Beltrão. Duas atrizes que viveram o auge nos anos 90 – embora estejam melhores agora – com dois atores desta década, sem que a diferença de idade entre eles (que no caso de Beltrão e Brichta chega a 13 anos) seja sentida. Um desafio interessante que Arraes, com a ajuda de Jorge Furtado, enfrenta com vigor e inteligência.

Alguns diálogos são derivados da TV, outros são espertinhos em excesso, poéticos na medida certa para não afugentar o grande público. Mas seria injusto detonar um filme por alguns diálogos fora do tom. Assim como seria injusto determinar que a interpretação de Moura é exagerada tendo em base unicamente o começo do filme, quando sua afetação tem a ver com a de um diretor teatral que se encontra apaixonado não só pela sua arte como pela atriz descoberta.

Contornar exageros e afetações parece ser uma habilidade aqui. Além de extrair o melhor de José Wilker, provando o quanto o ator pode render quando bem dirigido, Arraes consegue, de quebra, a melhor interpretação da carreira de Letícia Sabatella, e mais uma interpretação arrebatadora de Andréa Beltrão (que é a melhor coisa de Verônica, de Maurício Farias).

Outro feito do filme é a maneira adulta como lida com as confusões amorosas. A uma mulher é permitido amar dois homens ao mesmo tempo, sem conseguir se decidir por um deles. A um homem é factível esperar a decisão dela sem que fique com a pecha de corno manso. Tudo isso temperado com um tipo de atuação que se afasta ao menos um pouco do habitual visto na TV.


Sérgio Alpendre