O grande mérito de Palavra
(En)Cantada é o recorte que o filme faz:
a relação entre poesia e música
na canção brasileira. O primeiro desafio
ultrapassado é que o filme não incorre
na ingrata tentativa de provar que letra de música
é ou não é poesia (enfado explicitado
em bons depoimentos de Adriana Calcanhoto, aparentemente
com um t a mais, e Chico Buarque). O segundo é
a comum e angustiante partilha entre os praticantes
e os especialistas: no filme, mesmo os músicos
que também são ensaístas (caso
de José Miguel Wisnik) e os que sabem teorizar
(Arnando Antunes, Chico Buarque) têm seus testemunhos
articulados no mesmo pé de igualdade que outros
que, mesmo intuitivos ou ingênuos (caso de Ferréz),
jamais são utilizados no filme como ilustração
de um discurso do outro. Porém, o filme acaba
se deixando levar por muitas problemáticas e
acaba perdendo o foco. Talvez por não achar que
uma única questão fosse interessante o
suficiente para cativar a atenção do público,
o filme vai desviando por uma série de caminhos,
alguns até mesmo apropriados ao debate, mas que
acabam diluindo o filme em pequenas generalidades e
lugares-comuns. Por vezes, o fio principal dá
lugar a uma didática e sumária história
da canção brasileira, da marcha à
bossa nova ao tropicalismo simpática mas
vastamente desnecessária à problemática,
ao menos da forma como está equacionada no filme.
Em outros momentos, incorre em temáticas interessantes
que nem chega a arranhar, como os indícios do
fim da canção e o começo de outras
formas e práticas musicais. Palavra (En)Cantada,
enfim, ganha os louros e arca com o ônus de ser
um panorama geral demais e portanto superficial: encanta
o público ávido por generalidades, em
parte pela qualidade dos bons depoimentos que consegue,
mas deixa a impressão de um produto informe e
sem muita personalidade, uma reportagem eficiente mais
do que um documentário de maior envergadura.
Ruy Gardnier
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