PALAVRA (EN)CANTADA
Helena Solberg, Brasil, 2008

O grande mérito de Palavra (En)Cantada é o recorte que o filme faz: a relação entre poesia e música na canção brasileira. O primeiro desafio ultrapassado é que o filme não incorre na ingrata tentativa de provar que letra de música é ou não é poesia (enfado explicitado em bons depoimentos de Adriana Calcanhoto, aparentemente com um t a mais, e Chico Buarque). O segundo é a comum e angustiante partilha entre os praticantes e os especialistas: no filme, mesmo os músicos que também são ensaístas (caso de José Miguel Wisnik) e os que sabem teorizar (Arnando Antunes, Chico Buarque) têm seus testemunhos articulados no mesmo pé de igualdade que outros que, mesmo intuitivos ou ingênuos (caso de Ferréz), jamais são utilizados no filme como ilustração de um discurso do outro. Porém, o filme acaba se deixando levar por muitas problemáticas e acaba perdendo o foco. Talvez por não achar que uma única questão fosse interessante o suficiente para cativar a atenção do público, o filme vai desviando por uma série de caminhos, alguns até mesmo apropriados ao debate, mas que acabam diluindo o filme em pequenas generalidades e lugares-comuns. Por vezes, o fio principal dá lugar a uma didática e sumária história da canção brasileira, da marcha à bossa nova ao tropicalismo – simpática mas vastamente desnecessária à problemática, ao menos da forma como está equacionada no filme. Em outros momentos, incorre em temáticas interessantes que nem chega a arranhar, como os indícios do fim da canção e o começo de outras formas e práticas musicais. Palavra (En)Cantada, enfim, ganha os louros e arca com o ônus de ser um panorama geral demais e portanto superficial: encanta o público ávido por generalidades, em parte pela qualidade dos bons depoimentos que consegue, mas deixa a impressão de um produto informe e sem muita personalidade, uma reportagem eficiente mais do que um documentário de maior envergadura.

Ruy Gardnier