Não vejo a menor graça nesses games modernos. A emulação do
real me parece uma bobagem bem distante e muito menos interessante do que os
divertidos bonequinhos de Atari e quetais. Por isso não pude fazer a lição de
casa. Nunca joguei esse tal de Max Payne, agora adaptado para o cinema
com Mark Wahlberg no papel do detetive brutal. Mas cinema não depende disso.
Não precisamos fazer comparações. Precisamos apenas ver como o diretor John
Moore se sai no projeto mais comercial de sua carreira.
Ele, que já havia explorado tons de marrom em seu irregular O
Vôo da Fênix, remake de um filmaço de Robert Aldrich; já tinha
brincado com possibilidades de preto e vermelho em A Profecia, remake do original de Richard Donner, agora se joga em tons de verde e cinza em Max
Payne, que de certa forma é outro remake.
A mistura de realidade com fantasia me pareceu bem-sucedida por
dois motivos: a) o tratamento visual de Max Payne é brilhante,
comprovando o bom olho de Moore para o uso das cores, em parceria com o diretor
de fotografia Jonathan Sela (o mesmo de A Profecia); b) Mark Wahlberg,
com todos os senões, é um ator de certo carisma, que consegue iluminar algumas
cenas com sua canastrice simpática, de eterno new kid on the block.
Existe ainda outro atrativo, mais ou menos importante,
conforme as referências de quem estiver vendo o filme: Mila Kunis se revela
pela primeira vez uma atriz capaz de fazer esquecer seu trabalho na deliciosa
série That 70s Show. Seu papel como Mona Sax, espécie de poderosa
negociante vinda da Rússia, surpreende pela maneira como se encaixa na
narrativa, sem parecer um acessório e buscando, ela também, sua vingança.
Apesar desses trunfos, e de ser o melhor filme de John Moore
até aqui, Max Payne peca em um importante fator: não há possibilidade de
identificação com a dor do protagonista. Podemos compreender suas ações
violentas e impensadas, motivadas por um sentimento de que não há mais lugar
para ele no mundo, e que só o interessa uma possibilidade de reencontro com os
que já se foram. Mas não compactuamos de sua dor, talvez porque já o
acompanhamos depois da tragédia com sua família, talvez porque os flashbacks em cores quentes tenham atrapalhado ainda mais por atenuarem o sombrio que
dominava a narrativa, agora adornada com breguice. O fato é que o filme parece
pedir que haja essa identificação, e como ela não vem, sente-se que algo ficou
manco. Ainda assim, é uma possibilidade de ação mais inteligente e visualmente
mais interessante do que a última aventura de 007, com quem divide o circuito
dos multiplexes.
Sérgio Alpendre
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