FELIZ NATAL
Selton Mello, Brasil, 2008

Selton Mello estréia na direção com um filme que tem na dramaturgia de Cassavetes um farol (o fluxo de sentimentos, a câmera afogada nos rostos, o descontrole emocional) e na narrativa de O Pântano, um espelho (a violência latente, a atmosfera viscosa, a cena à beira da piscina, a família aos frangalhos, o acidente com o menino no final). Os planos sem profundidade, pouco iluminados, refratários, esguichados da água turva, ferruginosa e inconstante da mise en scène criam um certo tropismo estético pelo abstrato, mas somente em parte – vê-se o lado superficial (uma fuga da harmonia e da clareza figurativa), mas não o lado construtivo da abstração (um retorno insidioso aos materiais específicos de uma arte). Para entender a relação que Selton Mello mantém com a forma e com as composições – de personagens, drama e cenários –, convém lembrar das cenas de transbordamento de Mércia (Darlene Glória), nas quais o filme atinge um realismo agressivo e artificial. Por realismo, aqui, entenda-se o acréscimo de uma prótese estética que confere às deformações e às expressões maquiadas um sentido – assim como uma história – legítimo à luz do mundo objetivo e da natureza inteligível. Para cada tinta excessiva deste filme há um corretivo (quando não um solvente) eficaz.

No seu movimento dramático mais forte, Feliz Natal mostra um processo de degeneração/recomeço que possui na definição de menstruação que os meninos acham na internet um comentário inequívoco: o sangramento necessário para que se inicie um novo ciclo. Se o estilo, a princípio, sugere um olhar impetuoso e voraz no que essa atitude teria de melhor, logo Selton Mello termina por recuar diante da própria aventura e realizar um filme sem o sangue, sem a audácia erótica (ah, sim, tem um nu frontal, mas isso não obrigatoriamente quer dizer audácia, tampouco erotismo), sem a presença maciça de um mundo que em algum momento se havia prometido fazer estremecer sob as imagens de Feliz Natal. É sintomático o modo como o filme se distribui: os melhores momentos dos atores e da encenação estão nas partes soltas da narrativa, tendo seu ápice nas conversas de Caio (Leonardo Medeiros) com seus amigos das antigas. Nos instantes cruciais, contudo, o filme resvala em recursos estilísticos cafonas (aquelas montagens rápidas com flashes do passado conturbado de Caio constituem o maior exemplo).

Luiz Carlos Oliveira Jr.