Selton Mello estréia na direção com um
filme que
tem na dramaturgia de Cassavetes
um farol (o fluxo de sentimentos, a câmera afogada nos
rostos, o descontrole
emocional) e na narrativa de O Pântano,
um espelho (a violência
latente, a atmosfera viscosa, a cena à beira da piscina, a
família aos
frangalhos, o acidente com o menino no final). Os planos sem profundidade, pouco iluminados, refratários,
esguichados da água
turva, ferruginosa e inconstante da mise en scène
criam um certo tropismo
estético pelo abstrato, mas somente em parte
– vê-se o lado
superficial (uma fuga da harmonia e da clareza
figurativa),
mas não o lado construtivo da
abstração (um retorno insidioso aos materiais
específicos de uma arte). Para entender a
relação que
Selton Mello mantém com a forma e com as
composições – de personagens, drama e
cenários –, convém lembrar das cenas de
transbordamento de Mércia (Darlene
Glória), nas quais o filme atinge um realismo agressivo e
artificial. Por
realismo, aqui, entenda-se o acréscimo de uma
prótese estética que confere às
deformações e às expressões
maquiadas um sentido – assim como uma história
–
legítimo à luz do mundo objetivo e da natureza inteligível. Para cada tinta
excessiva deste filme há um corretivo (quando não
um solvente) eficaz.
No seu movimento dramático mais forte, Feliz Natal
mostra um processo de
degeneração/recomeço que possui na
definição de menstruação
que os meninos
acham na internet um comentário inequívoco: o
sangramento necessário para que
se inicie um novo ciclo. Se o estilo, a princípio, sugere um
olhar impetuoso e
voraz no que essa atitude teria de melhor, logo Selton Mello termina
por recuar
diante da própria aventura e realizar um filme sem o sangue,
sem a audácia
erótica (ah, sim, tem um nu frontal, mas isso não obrigatoriamente quer dizer
audácia, tampouco erotismo), sem a presença
maciça de um mundo que em algum
momento se havia prometido fazer estremecer sob as imagens de Feliz
Natal.
É sintomático o modo como o filme se distribui:
os melhores momentos dos atores
e da encenação estão nas partes soltas
da narrativa, tendo seu ápice nas
conversas de Caio (Leonardo Medeiros) com seus amigos das antigas. Nos
instantes cruciais, contudo, o filme resvala em recursos
estilísticos
cafonas (aquelas montagens rápidas com flashes do passado
conturbado de Caio constituem o maior exemplo).
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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