Um casal em uma casa de campo é atacado por estranhos
mascarados. A opção aqui é pela divisão com o espectador dos impulsos sádicos
vindos dos estranhos. Como as vítimas, não conhecemos suas motivações, suas
identidades ou suas armas. Sabemos apenas que eles querem barbarizar. Ficamos
com o coração na boca por alguns momentos, já que inicialmente tudo é
trabalhado da melhor forma possível a se armar um clima angustiante e
apavorante. Embora haja o senão da câmera que insiste em chacoalhar mesmo em
momentos calmos, de diálogos entre os protagonistas, como se quisesse gritar:
"vejam, estou com a câmera na mão, sou moderno". Trata-se de uma
tendência medonha do cinema atual, e tem quem só se interesse por esses sinais
enganosos da contemporaneidade. Fazer o quê?
A descrença vem depois de um tempo, já que as vítimas,
aquelas com quem dividíamos a tensão, insistem em agir da maneira mais
diferente do que qualquer pessoa normal agiria. Diferente demais do que nós
agiríamos, é inevitável pensar. Porque numa situação dessas, queremos que os
"mocinhos" façam coisas que não teríamos coragem de fazer, ou que
eles se agarrem desesperados a uma tentativa de escapar, pois é isso o que
queremos: escapar com elas desse cerco irracional.
Separar-se, ficar à frente de janelas, entrar de uma vez em
cômodos escuros e se engaiolar num deles não é o que esperamos fazer numa
situação improvável dessas, a não ser que o pânico nos tenha tomado toda a
capacidade de usar o cérebro. Mas não queremos pensar nessa hipótese, e por
isso perdemos qualquer possibilidade de comprar o que vemos na tela. Vejam bem:
não se trata de exigir verossimilhança, mas de querer algum ponto de contato
com o mundo como o conhecemos, com as atitudes cabíveis que esses personagens
tomariam. Uma coerência com o que havia sido nos apresentado até então.
Nesse caso, se perdemos a estética para um compromisso com
os irritantes tremores de câmera do cinema atual e os personagens pela fraqueza
de suas construções, o que nos sobra é acompanhar o massacre de sádicos. O que
possibilita uma outra leitura, que me parece involuntária: esses sádicos
estariam agindo pelo bem do cinema, pelo próprio filme e pela longevidade do
gênero. Querem eliminar maus personagens, tirar o cinema das amarras das
explicações. Teriam conseguido, de uma forma meio canhestra, se o final não
impusesse uma verdade pior ainda do que a deles. Em Os Estranhos, nem
mesmo os brutos conseguem fazer o serviço completo.
Sérgio Alpendre
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