DÚVIDA
John Patrick Shanley, Doubt, EUA, 2008

Philip Seymour Hoffman e Meryl Streep estrelando um filme de tema nobre. Garantia de boas atuações? Em parte sim, naturalmente, mas também a garantia daquela severidade empolada que, justamente por tentar fazer se passar demais por arte, acaba deixando de ser. Tudo em Dúvida tem aquele quê de "artístico" no que o termo tem de mais sério, imponente, respeitável. O corolário é que o filme corresponde exatamente à noção que o senso comum faz de "bom filme", constituindo-se num perfeito objeto de consumo de circuitinho e espectadores ciosos de um entretenimento com suplemento de alma. E essa mesma característica aponta para a extrema limitação do filme: é uma obra sem personalidade, sem um sabor significativo, uma mise en scène anônima da eficiência.

Alguns planos, em especial os do jardim em que se vê algumas estátuas de pequeno porte, podem evocar Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal, obra-prima de limpidez da época em que Clint Eastwood não precisava carregar tanto na fotografia e nos arroubos de emoção para se fazer compreender. Mais propriamente, também é um filme sobre a dúvida e sobre a imposição da verdade (ou de seu oposto) através da autoridade. A comparação, no entanto, termina aí, já que o diretor e dramaturgo John Patrick Shanley é incapaz de usar com discernimento as poucas metáforas boas que criou. Particularmente notável é a historinha da fofoca comparada às penas dum travesseiro que são impossíveis de ser recuperadas uma vez jogadas do topo de um prédio. Shanley dá à metáfora uma grandiloquencia que imediatamente transforma o excelente achado em ênfase cafona, chafurdando em grua e música "sensível" para saciar a sede de dramaticidade dos menos exigentes.

Mas acima de tudo o que falta a Dúvida é aquela sabedoria do plano, do ponto de vista, do ritmo que tão comumente separa o grande do reles. Shanley está muito preocupado na sabedoria de seu próprio discurso, na confiança que tem em seus diálogos, nas interpretações de seus atores, para sequer acreditar na imagem cinematográfica. O máximo que ele faz, espalhafatosa e abestalhadamente, é aparecer com alguns planos tortos, ridículos, às vezes com ênfase dramática, às vezes só pra posar de esteta. É uma pena: alguns atores muito bons (acrescentemos aos já citados Amy Adams, talvez a presença cinematográfica mais forte do filme), material dramático com potencial e até um pouco de discrição – o que deixa o filme anos-luz à frente de excrescências como As Horas, por exemplo –, mas um diretor que não tem tino e sensibilidade para transformar seu roteiro em expressão audiovisual.

Ruy Gardnier