Philip Seymour Hoffman e Meryl Streep estrelando um filme de tema
nobre. Garantia de boas atuações? Em parte sim,
naturalmente, mas também a garantia daquela severidade
empolada que, justamente por tentar fazer se passar demais por arte,
acaba deixando de ser. Tudo em Dúvida
tem aquele quê de "artístico" no que o termo tem
de mais sério, imponente, respeitável. O
corolário é que o filme corresponde exatamente
à noção que o senso comum faz de "bom
filme", constituindo-se num perfeito objeto de consumo de circuitinho e
espectadores ciosos de um entretenimento com suplemento de alma. E essa
mesma característica aponta para a extrema
limitação do filme: é uma obra sem
personalidade, sem um sabor significativo, uma mise en scène
anônima da eficiência.
Alguns planos, em especial os do jardim em que se vê algumas
estátuas de pequeno porte, podem evocar Meia-Noite no Jardim do Bem e do
Mal, obra-prima de limpidez da época em que
Clint Eastwood não precisava carregar tanto na fotografia e
nos arroubos de emoção para se fazer compreender.
Mais propriamente, também é um filme sobre a
dúvida e sobre a imposição da verdade
(ou de seu oposto) através da autoridade. A
comparação, no entanto, termina aí,
já que o diretor e dramaturgo John Patrick Shanley
é incapaz de usar com discernimento as poucas
metáforas boas que criou. Particularmente notável
é a historinha da fofoca comparada às penas dum
travesseiro que são impossíveis de ser
recuperadas uma vez jogadas do topo de um prédio. Shanley
dá à metáfora uma grandiloquencia que
imediatamente transforma o excelente achado em ênfase cafona,
chafurdando em grua e música "sensível" para
saciar a sede de dramaticidade dos menos exigentes.
Mas acima de tudo o que falta a Dúvida
é aquela sabedoria do plano, do ponto de vista, do ritmo que
tão comumente separa o grande do reles. Shanley
está muito preocupado na sabedoria de seu próprio
discurso, na confiança que tem em seus diálogos,
nas interpretações de seus atores, para sequer
acreditar na imagem cinematográfica. O máximo que
ele faz, espalhafatosa e abestalhadamente, é aparecer com
alguns planos tortos, ridículos, às vezes com
ênfase dramática, às vezes
só pra posar de esteta. É uma pena: alguns atores
muito bons (acrescentemos aos já citados Amy Adams, talvez a
presença cinematográfica mais forte do filme),
material dramático com potencial e até um pouco
de discrição – o que deixa o filme
anos-luz à frente de excrescências como As Horas, por
exemplo –, mas um diretor que não tem tino e
sensibilidade para transformar seu roteiro em expressão
audiovisual.
Ruy Gardnier
|