CORALINE E O MUNDO SECRETO
Henry Selick, Coraline, EUA, 2009

Talvez a coisa mais sedutora de Coraline seja a idéia de um duplo do mundo encantado e amaldiçoado ao mesmo tempo. Para usufruir das benesses de uma vida sem os incômodos e decepções da vida em família (ou em comunidade), é preciso na realidade perder os olhos (o coração?) e aceitar ser manuseado como um fantoche. Pois o limite entre si e o outro (saber ouvir mesmo quando não se tem vontade, respeitar a indisposição alheia, lidar com a falta de constante atenção) é um aprendizado indissociável do aprendizado do afeto adulto. Toda a aventura de Coraline representa, tipicamente, o rito de passagem da infância para a adolescência. Ao renunciar àquele mundo mágico, Coraline não apenas renuncia à fantasia com um gosto amargo no final, como aceita a inevitabilidade de enfrentar as coisas tais como elas são: os pais ranzinzas ainda são pais, o amiguinho tagarela é ainda assim um companheiro, um mundo sem atrativos pode ser revitalizado.

Claro que a idéia está longe de ser nova e todos os contos ou filmes baseados em um mundo paralelo tematizam de uma forma ou de outra a fuga da realidade, com maiores ou menores doses de lições moralizantes. De Pinóquio a O Labirinto do Fauno, a tradição de crianças confrontadas com seus medos e sonhos simultaneamente é uma constante no imaginário popular e corresponde exatamente ao chamado à responsabilidade de fazer escolhas. E é exatamente isto que encontra-se tão bem trabalhado em Coraline. A sagacidade e o olhar crítico da personagem nunca permite que o enredo ganhe ares didáticos ou pareça esquemático. A cada cena, o sentido de descoberta é pleno e nos sentimos momento a momento vivenciando os acontecimentos ao lado da menina. E isto certamente se deve ao fato de Henry Selick integrar o seleto grupo de diretores capazes de filmar um mundo – mesmo que um mundo de bonecos animados em stop-motion.


Tatiana Monassa