Com
alguns minutos de filme já fica claro que Meirelles
escolheu, dentre os
possíveis, o caminho mais óbvio para expressar nas suas imagens o tal estado
de
cegueira por excesso de luz. É como se o mundo estivesse dentro de uma lâmpada
em curto, que dilata ao limite do inconveniente os micro-segundos que antecedem
seu estouro. Fora da superfície esférica, por trás do vidro, alguém observa os
personagens por ângulos enviesados. Efeitos de refração, anamorfose, reflexos
luminosos – sem falar em jogos de espelhos, claro – pululam,
sem uma arquitetura sólida para sustentá-los. Tudo converge para a sensação,
reforçada pela trilha sonora (show de horrores cujo ápice é a
versão em xilofone para uma famosa suíte de Bach), de que esse material, embora
destinado a refletir o mundo em sua totalidade e incluir o homem na engrenagem
do Tempo, não resiste ao toque. Eis a diferença entre uma bola de cristal e uma
bolha de sabão.
Meirelles entra para o time, ao lado de P.T. Anderson e Iñárritu, dos cineastas
que fazem o cinema mais verdadeiramente publicitário (ou seja, aquele que justifica
o rótulo para além do jargão crítico) das últimas décadas. Publicitário
não só porque abusa de filtros, sobrepõe a técnica e a mensagem à dramaturgia,
desenvolve situações construídas in vitro, não concebe suas imagens
mas sim as puxa de uma gaveta, some com as alteridades justo onde elas rasamente
estariam sendo sublinhadas (diferenças de etnia, de
cultura etc), enfim, não só por essas velhas práticas, mas sobretudo porque gera
uma excitação estética no vazio. Ficções sobre a decadência e a derrota da
civilização são o combustível ideal para esse cinema, porquanto apresentam um
palco adequado a suas imagens gratuitas e gestos vãos. Cortados os fios que ligavam
o mundo à câmera, resta brincar de visionário e – sua real empresa – esbaldar-se
com o colapso social e com o apodrecimento moral que as cenas acusam sem a menor
condição de superar.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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