ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
Fernando Meirelles, Blindness, Brasil/Canadá/Japão, 2008

Com alguns minutos de filme já fica claro que Meirelles escolheu, dentre os possíveis, o caminho mais óbvio para expressar nas suas imagens o tal estado de cegueira por excesso de luz. É como se o mundo estivesse dentro de uma lâmpada em curto, que dilata ao limite do inconveniente os micro-segundos que antecedem seu estouro. Fora da superfície esférica, por trás do vidro, alguém observa os personagens por ângulos enviesados. Efeitos de refração, anamorfose, reflexos luminosos – sem falar em jogos de espelhos, claro – pululam, sem uma arquitetura sólida para sustentá-los. Tudo converge para a sensação, reforçada pela trilha sonora (show de horrores cujo ápice é a versão em xilofone para uma famosa suíte de Bach), de que esse material, embora destinado a refletir o mundo em sua totalidade e incluir o homem na engrenagem do Tempo, não resiste ao toque. Eis a diferença entre uma bola de cristal e uma bolha de sabão.

Meirelles entra para o time, ao lado de P.T. Anderson e Iñárritu, dos cineastas que fazem o cinema mais verdadeiramente publicitário (ou seja, aquele que justifica o rótulo para além do jargão crítico) das últimas décadas. Publicitário não só porque abusa de filtros, sobrepõe a técnica e a mensagem à dramaturgia, desenvolve situações construídas in vitro, não concebe suas imagens mas sim as puxa de uma gaveta, some com as alteridades justo onde elas rasamente estariam sendo sublinhadas (diferenças de etnia, de cultura etc), enfim, não só por essas velhas práticas, mas sobretudo porque gera uma excitação estética no vazio. Ficções sobre a decadência e a derrota da civilização são o combustível ideal para esse cinema, porquanto apresentam um palco adequado a suas imagens gratuitas e gestos vãos. Cortados os fios que ligavam o mundo à câmera, resta brincar de visionário e – sua real empresa – esbaldar-se com o colapso social e com o apodrecimento moral que as cenas acusam sem a menor condição de superar.


Luiz Carlos Oliveira Jr.