O CASAMENTO DE RACHEL
Jonathan Demme, Rachel Getting Married, EUA, 2008

O que mais impressiona em O Casamento de Rachel é a banalidade do projeto: em ambiente liberal/multiculturalista, dramatizar o drama familiar da chegada da ovelha negra no seio do casamento imaculado, e para isso parasitar a estética já totalmente desgastada do Dogma 95. Trocando em miúdos, esse filme de Jonathan Demme é um Festa de Família com retoques exoticizantes estilo Um Casamento à Indiana. As referências ao filme de Thomas Vinterberg são explícitas, e tomam do filme o que há de pior: a câmera meio casual, mas com ponto de vista de quem está prestes a descobrir um mistério bem escondido; a estética dos vídeos caseiros, com câmera tremida, inconsistências de luz, etc; e acima de tudo os cortes bruscos, os jump cuts afetados nascidos dos primeirs exemplares do Dogma e rebatizados de forma mais eficaz (mas não menos formulaica) pelos irmãos Dardenne. O exótico é apenas para dar um tom mais palatável ao drama da impossibilidade de reinserção, com cerimônia indiana, mini-escola de samba sob a batuta do craque Cyro Baptista, neofolkpop a cargo de Robyn Hitchcock. Mas é de se perguntar a que tudo isso se presta.

Porque, na verdade, O Casamento de Rachel deveria ser um retrato de personagem que se transforma num registro de família disfuncional. E isso em meio aos preparativos de um casamento, ou seja, num tipo de situação em que só se espera a boa vontade e a alegria vindas de todos os convivas. Nada fácil, de fato, a tarefa de equilibrar o feelgood dos filmes de casamento com o aparecimento da figura indesejável, daquela que vai despertar na família todos seus traumas e ressentimentos. Festa de Família resolveu de forma espertinha, denunciando a hipocrisia das reuniões familiares, com cores algo escandalosas (e muito menos talentosas do que Richard Brooks e Robert Altman fizeram com A Festa de Casamento e Cerimônia de Casamento, respectivamente). O Casamento de Rachel prefere não resolver, tentando simultaneamente empatizar o espectador com as cenas de sedução pelo matrimônio e, em modo mais sombrio, revelar a penúria existencial de uma personagem recém-saída da reabilitação mas incapaz de superar um trauma de juventude que afetou a família inteira. E nessa acaba se estrepando.

Primeiro porque existe uma estética extremamente inapropriada para dar conta da personagem. A dinâmica fragmentária da montagem, aliada a algumas cenas surpreendentemente longas e inúteis – infinidade de dedicatórias aos noivos depois do jantar, infinidade de apresentações musicais etc. –, tiram definitivamente o foco da protagonista. E, pior, em momentos podem mesmo fazer o espectador desejar que ela se ausente o máximo possível, já que o próprio diretor do filme parece muito mais interessado nos momentos alegres da cerimônia. Por mais que Anne Hathaway ofereça uma pungente fragilidade para compensar a insuportável necessidade de atenção de sua personagem, o próprio filme só se interessa superficialmente na construção da personagem e na relação familiar. Em segundo lugar, porque Jonathan Demme em O Casamento de Rachel parece querer equilibrar um cinema de autor já defasado em seus tiques subestilísticos com o feelgood à americana, e acaba criando um desses exemplares aguados e regressivos de entretenimento "cult" que só enganam com a pecha de modernidade o espectador que nunca botou pé num filme que não fosse de grande estúdio americano.

Ruy Gardnier