O mar. Uma morte. O luto. Estes três
fatores bastariam para aproximar Caos Calmo de O Quarto do Filho.
Mas há ainda a presença iluminada de Nanni Moretti, tanto no papel principal
quanto na escritura do roteiro (aqui, adaptado). A morte, no entanto, não
decorre de um acidente “anti-natural”, e não atinge um descendente, mas um
progenitor. Cabe ao impassível Moretti, então, lidar com a filha, herdeira
involuntária daquilo que se foi. No entanto, não é exatamente pelo processo tradicional de
luto que o filme se envereda, preferindo utilizar-se de
subterfúgios para poder transmitir a desorientação no mundo que a morte
provoca. Desta forma, mesmo estando claramente abalado e reativo ao trauma,
Pietro, o personagem de Moretti, forja para si uma rotina que beira o
surrealismo, na qual se sobressai sua profunda tranqüilidade e sua interação com
a porção de cidade na qual decidiu se instalar.
Naquela praça em frente à escola, um
novo mundo se desenha: o dia-a-dia de uma pequena lanchonete, a rotina de
desconhecidos que por ali passam todos os dias, as infinitas variações que um farniente diário é capaz de revelar. Neste cenário improvável, assistimos até ao
desenrolar de uma intriga empresarial, com direito a reuniões a rigor. A beleza
do filme de Antonello Grimaldi está sobretudo na condução de atmosfera e na
criação de estados emotivos que transpõem construções dramáticas. De fato, Caos
Calmo é capaz de nos transportar para um além perceptivo em sintonia com o
personagem, no qual cada uma de suas oscilações subjetivas reverberam como plot
points. No mundo paralelo de Pietro, muito se passa dentro da sua cabeça; e
a isto temos acesso por suas eventuais narrações em primeira pessoa ou por seus
constantes pontos de vista. Grimaldi consegue, assim, de forma um tanto
minimalista, narrar todo o universo de apreensões, expectativas, decepções, que
se encontra fora das imagens em si.
Tatiana Monassa
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