O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON
David Fincher, The Curious Case of Benjamin Button, EUA, 2008

Como filmar um presente que não se sustenta, que não pode ganhar consistência? Como filmar uma realidade temporal que não estabelece conexão com as outras realidades? David Fincher encontra um caminho, aparentemente sem grande esforço: se o corpo de Benjamin Button não registra a passagem do tempo da mesma maneira que os demais corpos, o espaço visual que ele ocupa deverá ser igualmente deslocado. A figura de Benjamin Button não envia qualquer vibração aos cenários, que respondem da mesma forma, sem provocar reações no personagem. Benjamin é um pouco o homem que não estava lá, mas virou história, mitologia (já não era o caso em Zodíaco?). E o filme estira o intervalo, cria uma defasagem espacial que vem se somar à defasagem temporal que é o motivo da fábula. Como decorrência natural, a cena se desfaz. Vemos as imagens, mas não a cena; esta, como o tempo, se acha liquefeita. E a situação não muda quando o personagem chega à idade que bate com a idade do ator (Brad Pitt): não era apenas a maquiagem o que se interpunha entre o ator e a cena, embora a parte menos frágil do filme de fato coincida com o momento em que Daisy (Cate Blanchett) e Benjamin ajustam o fuso por um breve período. Já as cenas com Daisy velha, no leito de morte, e sua filha Caroline (Julia Ormond) lendo o diário de Benjamin teriam sido jogadas no lixo por qualquer montador de bom senso, caso não fossem simplesmente a viga central da narrativa. (Quanto à voz artificialmente sôfrega da agonizante Daisy, digamos apenas que é um recurso expressivo de mau gosto.)

Existe ainda uma outra defasagem no filme. Em certos momentos, a narração em off de Benjamin diz coisas como “naquele momento percebi que a amava” ou algo do gênero. Mas esse sentimento não se confirma na imagem e nos atores. Falta uma força, um brilho qualquer para fazer o sentimento comunicado pela narração exalar de dentro da imagem. O que vemos não corresponde com o que ouvimos. Propaganda enganosa. Por falar nisso, a cena final de O Curioso Caso de Benjamin Button é praticamente a reprodução automática de uma propaganda de plano de saúde: a câmera se aproxima dos personagens em lento travelling, o reconforto paternal da voz de Benjamin (é sua filha quem lê o diário, não esqueçamos) diz que algumas pessoas nasceram para nadar, outras para levar raios na cabeça... outras para dançar: Daisy executa um passo de balé, olha para a câmera e dá um sorriso, um piano de notas sentimentais acompanha. Vale lembrar que a lógica desse tipo de publicidade é prometer uma inversão do tempo, uma trucagem do relógio biológico, uma nova juventude na velhice.

E tem o furacão Katrina, que vai se aproximando ao longo do filme... O Curioso Caso de Benjamin Button faz também uma lenta contagem regressiva para a catástrofe. Difícil pensar que o roteiro foi adaptado de um magnífico conto de F. Scott Fitzgerald, e que o filme anterior de Fincher havia sido seu melhor.

Luiz Carlos Oliveira Jr.