A
Bela Junie tem seu ponto de partida escondido numa
observação curiosa e banal: o fato de
que Jean-Pierre Léaud e Anna Karina, respectivamente
ator e atriz mais representativos da nouvelle vague,
jamais vingaram como par romântico. É
sabido que o cinema de Christophe Honoré consiste
simplesmente numa nostalgia fetichista e bobalhona de
reatualizar o cinema francês jovem dos anos 60
que carregava seu espectador pelo charme dos atores,
das atrizes, das situações (Truffaut,
Démy, o primeiro Godard). Em seu mais recente
filme, ele coloca uma moça de beleza excêntrica,
Léa Seydoux, para interpretar uma jovem deprimida
pela morte da mãe que, no essencial, só
existe ali para fazer caras, bocas e pose de Anna Karina.
Contracenando com ela, o (grande) ator apadrinhado por
Jean-Pierre Léaud e símbolo hoje de tudo
o que é cool no cinema francês, Louis Garrel.
E, uma vez que Karina e Léaud não chegaram
a ter seu momento ao sol, o relacionamento desses dois
substitutos também será fadado ao fracasso.
E o filme, idem.
O grande problema de Christophe Honoré é
a cara de pau. Está aí um cineasta que
tem uma sensibilidade de escrita, que consegue criar
algumas dinâmicas interessantes (os irmãos
ou a relação pai-filho de Em Paris)
e tocar através de sua ficção alguma
sensibilidade propriamente contemporânea (o intercâmbio
de parceiros e preferências em Canções
de Amor) o que de forma alguma é banal
, mas, como com Spielberg, sua ânsia de
agradar é tamanha que ele termina por jogar seus
filmes no poço pelo excesso de zelo (no caso
de Honoré o zelo chama-se fofura) que emana das
saídas fáceis e do estabelecimento de
um mínimo denominador comum, sempre a "doçura".
Quem, além de Lars Von Trier, teria a pachorra
de colocar seu personagem fazendo um interlúdio
musical, cantando uma música melancólica,
introspectiva, para reconduzi-lo em seguida à
morte fria? (Ao menos em Dançando no Escuro
pode-se aventar que a morte já era esperada).
Tudo em A Bela Junie existe pelo valor de face.
A ficção propriamente dita é rala,
as situações são requentadas e
mesmo as situações pretensamente charmosas
são no máximo blasé (o que
não o impede de saber filmar sua atriz, mesmo
em chave você-é-minha-Anna-Karina). Mas
até aí, nenhum problema. François
Ozon é um desses cineastas que sabe muito bem
aproveitar o caráter direto e vagabundo do valor
de face (apesar de esquecer de vez em quando, p.ex.
Sob a Areia e O Tempo Que Resta). Mas
uma coisa é a profundidade que Ozon extrai dos
efeitos de superfície (Angel, 5X2,
Gotas d'Água), outra é fingir que
está no fundo do mar quando se está boiando.
E Honoré, esperto demais, sincero de menos, ainda
deverá penar alguns anos pra descobrir de que
é feita sua sensibilidade.
Ruy Gardnier
|