O maior problema de Sam Mendes é que ele próprio,
ao contrário do que
provavelmente pensa, não vale mais do que o americano
médio que tanto ocupa
suas obsessões e cujos dilemas ele se sente tão
à vontade para discutir, mesmo
tendo nascido em outro continente, na Inglaterra. Beleza
Americana não
era apenas a indicação de mais um cineasta
medíocre por trás das câmeras, mas
também do próprio movimento que Hollywood faria
dali em diante no sentido
de abraçar falsos objetos de denúncia,
além de uma estética pretensamente
independente. Após Soldado Anônimo,
em que a sociedade americana era
trabalhada sob o prisma da guerra do Iraque, Mendes agora retorna aos
subúrbios
que o consagraram em sua estréia, narrando a
história de um casal que nos anos
50 se vê dividido entre o sonho de cair no mundo, viver uma
vida nova na
Europa, ou manter-se atado ao fardo representado pelo american
dream –
casa branca, jardim, vizinhança, filhos, um emprego
burocrático na região
central da cidade.
Verdade seja dita: Foi Apenas um Sonho é
até agora o melhor filme de
Mendes – talvez, o único realmente digno de alguma
nota sequer. Pela primeira
vez o diretor parece minimamente preocupado com seus personagens e o
lugar que
ocupam dentro de uma dramaturgia. Foi preciso talvez um roteiro
esquemático ao
extremo para que ele se desse conta do essencial: de que um filme se
constitui
de personagens operando sobre um determinado mundo de cinema.
Não mais os
símbolos e estereótipos bobos despejados a seu
bel-prazer como em Beleza
Americana. Ao
contrário, o
novo filme de Mendes surpreende justamente pela concisão,
quase um minimalismo
na execução das cenas encadeadas pelo
roteiro.
Amparando tudo isso, uma mise en scène
pálida, sem vida, os planos como
uma expressão melancólica da
situação de paralisia do casal (planos que devem
muito à fotografia de Roger Deakins, co-autora do filme com
seus tons suaves).
Não se sabe até onde tudo isso é
involuntário, fruto talvez das próprias
limitações do olhar de Mendes como cineasta, mas
o fato é que boa parte do que
há de positivo no filme está num trabalho de
câmera discreto, que na maior
parte opta por um descritivismo meio distanciado, apegado à
exterioridade dos
personagens. Uma economia que é fundamental para o tipo de
construção
psicológica que se realiza: personagens opacos, frutos antes
do acúmulo do que
as cenas do roteiro trazem individualmente para a cadeia
dramática do filme que
de fabulações articuladas.
É graças a essa concisão que se tornam
aceitáveis soluções de roteiro mais
fáceis e escancaradas, como as cenas de Frank em meio a uma
multidão de homens
indo trabalhar, todos vestidos iguais a ele (muito embora haja coisas
realmente
imperdoáveis, como o personagem Michael Shannon, o
coadjuvante louco que é o
único capaz de enxergar/dizer a verdade, ou
também o epílogo, com a chegada do
novo casal de moradores da casa). Mas o fato é que,
refugiado talvez no fato de
se tratar de um filme de época ou mesmo de uma
adaptação de uma obra literária
relativamente famosa, Mendes pouco se põe a falar sobre o
“sonho americano”
diretamente, o que nos poupa de todo o discurso vazio, falsamente
político, que
inundava Beleza Americana e Soldado
Anônimo (bem menos neste
último, e é por isso que este já era
um filme um pouco melhor). Tudo aqui diz
respeito a uma lógica mais íntima dos
personagens, e Paris e o subúrbio onde os
protagonistas se encontram não são mais do que
dois pólos abstratos por entre
os quais eles fazem passar suas fantasias. Não é
preciso que se fique
comparando inutilmente um estilo de vida a outro, mesmo porque esta
é uma
distinção que os próprios personagens
talvez não saibam fazer. O que está em
jogo é uma visão mais dramática das
coisas, a forma como aquelas figuras reagem
frente àquilo que lhes chega.
Seria precipitado (e um exagero) dizer que agora Mendes finalmente
tornou-se um
diretor de verdade, mas é inegável que este filme
representa seu aprendizado de
um mínimo bê-á-bá
cinematográfico – um filme como um projeto
estético e
dramático minimamente rigoroso, não como um
depósito de imagens que sempre
sonhamos mostrar ao mundo. É preciso, no entanto, ainda
esperar, ver se a lição
foi bem aprendida, pois o que Foi Apenas um Sonho
nos mostra com seu
hermetismo e discrição é apenas o
nível mais baixo de uma dramaturgia que ainda
precisa evoluir, tornar-se sólida, para só
então abrir-se a novos caminhos.
Calac Nogueira
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