007 - QUANTUM OF SOLACE
Marc Foster, 007 - Quantum of Solace, EUA/Reino Unido, 2008

Seria a franquia de 007 o melhor espelho da evolução e modulações do grande cinema comercial ao longo dos anos? De uma forma ou de outra, o que temos em Quantum of Solace é o “melhor” do que se pode produzir no cinema hegemônico hoje. Não se trata, evidentemente, de uma avaliação qualitativa, mas de uma adjetivação propriamente. Dados do passado que, mesmo completamente remodelados, apresentam ainda o glamour do vintage (a seqüência de abertura com os créditos, prática em desuso); ação em velocidade inapreensível, dinamitando por completo o espaço e eliminando o necessário esforço de locomoção; diálogos econômicos e intriga construída na imagem, por uma montagem altamente dinâmica e vertiginosa. E, mais do que isso: Quantum of Solace é um perfeito exemplar do cinema “aldeia global”, com seu casting multi-étnico e internacional pulando de um país a outro num piscar de olhos e sua trama girando em torno de grandes corporações que estendem seus tentáculos pelo planeta, promovendo a opressão dos mais pobres e detonando um pouco mais os recursos naturais.

No entanto, apesar desta roupagem eminentemente contemporânea, é perceptível um esforço para preservar a essência dos principais traços originais do personagem: a impassividade de um agente britânico galante mas sem direito a sentimentos, cuja missão é devotar a vida ao trabalho; a elegância suprema dos bons modos e da frieza de conduta; a desobediência e rompimento de regras apenas ali onde estas podem adquirir a conotação de um comprometimento maior ainda com o dever. Não deixa de ser curiosa, portanto, a conjugação aparentemente discrepante de uma roupagem de “modernidade” avassaladora com um espírito de caráter conservador, no qual a autoridade é um conceito inabalável e uma condecoração outorgada por uma instância superior insondável (o Deus que confere o poder à majestade?). Considerando-se, porém, que todos estes elementos constituem um imaginário particularmente fetichista e configuram antes uma roupagem do que um arcabouço ideológico, podemos compreender melhor a entrada da franquia no universo do blockbuster contemporâneo. Pois, encarnado por quem for, enfrentando as provas mais árduas de inteligência ou excedendo qualquer constrição da física ao corpo, imerso em disputas geopolíticas ou perdido nos acordos convenientes aos interesses do grande capital financeiro, o personagem de Ian Fleming parece ter se tornado, no imaginário coletivo, sinônimo de uma admirável complacência com o poder de entretenimento do cinema.


Tatiana Monassa