Um homem do mundo e um autêntico
humanista
É muito comum encontrarmos em textos sobre Joseph Losey a afirmação, um tanto
equivocada e desatenta, de que seus melhores filmes são aqueles que tiveram
roteiro de Harold Pinter, a saber, O
Criado, Estranho Acidente e O Mensageiro. O famoso escritor teria
sido o controle de que Losey precisava para realizar suas pulsões e seus
retratos de crueldade e decadência no cinema. Antes, ele era um mero artesão,
ou um desequilibrado ilustrador de fraquezas humanas. Isso, claro, quando quem
escreve conhece realmente os filmes. Não é difícil encontrarmos também quem só
conheça meia dúzia deles. Os da parceria com Pinter, mais Eva, Don Giovanni, Cidadão Klein e, talvez, Uma Inglesa Romântica e Armadilha a Sangue Frio.
Uma revisão criteriosa de sua obra na ordem cronológica, descobrindo, com algum
esforço (pois são fimes raros e inexistentes em boa qualidade de imagem), obras
pouquíssimo vistas como The Lawless, The Prowler ou o essencial M, da fase americana, The Sleeping Tiger e Time Without Pity, da fase lista negra
nos anos 50, ou mesmo as obscuridades que se seguiram a O Criado na década de 60 e 70, revela um diretor com talento nato
para encenar as crueldades do ser humano. Não se trata de um humanista no
sentido comumente apropriado ao termo. Losey é um humanista completo, capaz de
captar com seu olhar único e absoluta lucidez e perspicácia, o lado mau de uma
pessoa, o que a completa, a deixa humana, afinal.
De que outra maneira enxergar a sordidez do policial interpretado por Van
Heflin em seu terceiro longa-metragem, The
Prowler, do que reconhecendo que estão ali todas as tintas que compõem a
riqueza do personagem, todas as minúcias que fazem com que o policial seja
cruel, frio, mas mesmo assim digno de ser acompanhado por uma hora e meia?
Porque Losey não esconde esse outro lado, pelo contrário. O que interessa a ele
é justamente sublinhá-lo. Esse é o verdadeiro humanista, aquele que, por meio
da paixão e da lógica, procura entender, ou ao menos observar, o que move essas
pessoas a fazer tais crueldades; no caso do filme citado, a premeditação de um
assassinato.
Da mesma maneira podemos encarar a Lady Fenton de Encontro com a Morte ou o assassino de M, não por acaso, dois de seus maiores filmes. Tanto ela (Micheline
Presle), quanto ele (David Wayne) são vítimas de um intenso humanismo,
que não
exclui as pulsões vingativas, doentias, sujas e mundanas. Ela quer se
livrar da amante do marido, mas para isso precisa encontrar um falso culpado:
o pintor
ingênuo (até certo ponto). Só que ela não deixa de
se afeiçoar a ele, o que
acaba a incriminando, em um dos momentos mais ricos de todo o cinema. Ele,
mostrado em seu quarto, decepando estátuas e com um retrato da mãe
na
cabeceira, precisa eliminar as crianças, precisa saciar sua sede, não
de
vingança, mas de tentativa de adequação ao mundo. O mundo
que o maltrata, que o
convence a matar cruelmente pessoas ainda mais indefesas – ao seu olhar – do
que ele próprio. No final, ele recebe uma defesa apaixonada de um advogado
bêbado, acostumado a defender criminosos de verdade, não doentes
dignos de
compaixão como o assassino de crianças. Losey consegue provocar
empatia pelo
assassino, algo que Fritz Lang não havia conseguido em seu também
fantástico M - O Vampiro de Dusseldorf.
M permanece o ápice de sua
filmografia nos Estados Unidos, que se encerra oficialmente com The Big Night. Após isso a lista negra,
o exílio forçado. Encontro com a Morte é a entrada definitiva em terreno britânico. Até então ele era um pária que
realizava filmes americanos na Inglaterra (ou na Itália, como o não visto e
raríssimo Imbarco a Mezzanotte),
mesmo que esses produtos sejam os excelentes Time Without Pity e Por Amor
Também se Mata. Não se sentia em casa. Não havia adotado a Inglaterra como
um lar que o acolheu. O que irá acontecer plenamente em Encontro com a Morte: o encantamento com as ruas londrinas e com
outros seres deslocados no espaço e na sociedade – ele agora se sentia mais
confortável para filmar párias e pessoas apátridas como o pintor holandês. Está
à vontade também com o galês Stanley Baker, com quem ainda faria três filmes.
Inglês por necessidade, mas acima de tudo europeu. Eva, um excelente retrato da danação de um homem (Stanley Baker)
que amou uma mulher proibida (Jeanne Moreau) foi filmado em Veneza. O Homem que Veio de Longe, roteirizado
por Tennessee Williams e com o casal Elizabeth Taylor/Richard Burton, na
Sardenha.
Quase que unicamente conhecida por Cidadão
Klein, um primor de reconstrução de uma paranóia, sua fase francesa contém
ainda o invisível Les Routes du Sud e
o irregular La Truite. Se em Cidadão Klein vemos a culminação de uma
dramaturgia clássica que ele perseguia nos filmes históricos imediatamente
anteriores, e que podíamos ver em todos os seus filmes de maneira natural,
frutos de sua lógica ao narrar, em La
Truite temos um diretor desencaminhado, sem saber como lidar com algumas
mudanças, sem querer, ou poder, continuar com o classicismo envolvente e
dilacerante de Cidadão Klein – e de Don Giovanni, devemos dizer.
O que está sempre presente, onde quer que filme, é esse intenso e plural
humanismo, e a racionalidade com a qual ele desafiava os padrões de cada época.
Porque Losey sempre foi um artista sensível às transformações dos momentos, capaz
de traduzir aquilo que se realizava então para um esquema próprio, que
condissesse com sua lógica interna de como contar uma história em imagens, como
fazer com que um drama envolvesse o espectador desde o início e terminasse o
arrebatando em seus desfechos.
Durante o início da década de 60, procurou trilhar o caminho das ficções
baratas no ordinário e belo Os Malditos.
Mais tarde, em 1964, explorava, com fusões de uma imagem para outra, fluxos de
memória e imaginação em O Rei e o Cidadão,
de uma maneira que Resnais só conseguiria fazer plenamente em Providence, anos depois de suas
gloriosas tentativas com Marienbad,
Muriel e A Guerra Acabou. Em
1966, realizou uma sátira aos filmes de espionagem que eram moda na época
(Flint, James Bond) em Modesty Blaise,
aproveitando como poucos a beleza exótica de Monica Vitti. No final da década,
investiu no retrato da loucura, no desequilíbrio de personagens, e de como eles
poderiam conviver juntamente, em O Homem
Que Veio de Longe e Cerimônia Secreta,
superiores ao cerebralismo do filme anterior, Estranho Acidente. Em 1970, antecipava o cinema físico de William
Friedkin e o minimalismo encantado pela natureza de Terrence Malick, em Figures in a Landscape. Na década de 70,
dialogava com o cinema novo alemão, que começava a dar seus melhores frutos,
filtrando Bertold Brecht e Jean-Marie Straub para chegar a Fassbinder, em Casa de Bonecas (Fassbinder também
realizou uma adaptação da mesma peça de Ibsen, no mesmo ano, chamada Nora Helmer, nome da personagem
principal da peça), Galileo (que,
assim como Don Giovanni, remete
diretamente a Straub) e Cidadão Klein – que faz, como vários de seus filmes anteriores, o ator reagir à sua própria
imagem no espelho (algo constantemente buscado por Fassbinder), em uma
cena-chave com Alain Delon e Michael Lonsdale em um restaurante.
São duas virtudes sempre notáveis em seus filmes: a observação de tudo que é
humano, e o rico diálogo – seja pelo confronto ou pelo entendimento – com o
repertório anímico de cada época. Virtudes que foram poucos os que perceberam.
Um diretor sempre instigante
Losey é um dos diretores mais coerentes do cinema, e um dos maiores
encenadores. Mesmo em seus filmes menores, há instantes mágicos o suficiente
para que se abra uma pequena lista de tópicos, de maneira a destacar todos
eles.
- Em The Big Night, o protagonista
mete os pés pelas mãos ao elogiar a linda cantora sem conseguir disfarçar certo
racismo.
- Em O Assassinato de Trotski, a
brilhante seqüência da tourada, em que Alain Delon fica petrificado com o
sangue do touro perfurado pelas armas, e Romy Schneider se escandaliza com a
barbárie do espetáculo. Essa seqüência terá sua continuação lógica na do
assassinato, realizado com arma perfurante – uma pequena picareta – por um
enlouquecido Delon, com o sangue escorrendo pela cabeça de Burton/Trotski.
- No mesmo filme, o casal Schneider e Delon no barco que rodeia o restaurante
miragem. Ela é a vida, ele repousa como um morto, com as mãos entrelaçadas
sobre o peito. Delon, mais tarde, conseguirá provocar o congelamento da imagem
no exato momento em que salta para deter o badalar de um sino.
- Em Modesty Blaise, os dez primeiros
minutos (apresentação do entorno e dos coadjuvantes), que valem por tudo que se
fez de pretensamente moderno em cinema.
- Em Casa de Bonecas, David Warner
imitando o tricotar de Delphine Seyrig, e a interpretação magistral de Jane
Fonda como Nora Helmer.
- Em O Homem Que Veio de Longe, a
câmera que mostra a imensidão do mar e recua para mostrar a imensidão da casa
de Liz Taylor.
Como os grandes do cinema
Losey tem um especial apreço pela fusão, pelo enquadramento que contém o
maior número de informação e pelo movimento de câmera, ora discreto, ora
enérgico, mas sempre persecutório. Da mesma forma que vai a Straub para lidar
diretamente com Brecht em Galileo,
dois grandes cineastas são facilmente evocados ao se observar como o diretor
lida brilhantemente com esses procedimentos clássicos do cinema.
Nas fusões, lembra King Vidor, e os essenciais A Turba e O Grande Desfile.
São fusões que traduzem um estado de espírito interno, uma motivação maior que
não seria tão bem explorada utilizando cortes secos. São, por exemplo, as
perfeitas fusões de O Rei e o Cidadão,
que ilustram pensamentos, lembranças e premonições num sentido contrário ao que
Resnais seguia no também essencial O Ano
Passado em Marienbad, mas muito próximo do que Resnais tentaria nos anos
seguintes. Em Losey, a ruptura, o fragmento, é substituído por um rearranjo na
ordem das coisas, um controle das pulsões destruidoras do homem pela suavidade
do corte. Não é à toa que O Rei e o
Cidadão é um de seus maiores filmes. Ao retratar o inferno na alma do
soldado desertor, Losey consegue alcançar o sublime sem maiores exibicionismos,
somente obedecendo à linguagem descoberta pelos pioneiros. Cinema mudo, se
quiserem assim. Em outros filmes o uso discreto e perfeito da fusão pode ser
notado, com destaque para Time Without
Pity e Eva. Era um efeito que ele
usava com parcimônia, quando estritamente necessário.
Duas cenas de filmes distintos merecem atenção pelo tanto que seus
enquadramentos contêm de informação. Ambas localizadas em seu período
americano, aquele que lança as bases de quase tudo que Losey faria em sua
carreira, e que mostram perfeitamente a capacidade de Losey em conter o máximo
de informação com o mínimo de corte ou panorâmicas. Em The Lawless, o jornalista que resolve ir contra muitos para
defender o latino acusado de assassinato recebe o consentimento do juiz para
que os pais possam ver o filho. Ele dá a boa notícia, e mãe e pai correm para a
outra sala, abrem a porta, e abraçam o filho emocionadamente. O jornalista
acompanha toda a cena da sala contígua, na companhia da mulher, colega de
trabalho e alvo de seus flertes.
Em M, o assassino está engraxando os
sapatos. Ele é atraído por uma garotinha que atravessa a rua com a avó em
direção ao lado da calçada que ele está. Podemos ver toda a cena pela vidraça,
com a câmera por trás dele, fazendo com que ele seja apenas uma silhueta. Ao
ver que a avó voltou para o outro lado da rua, deixando a garotinha sozinha,
ele paga o engraxate e se dirige à calçada. Quando vê uma outra garotinha
atravessando com uma bola. Tudo na cena é de uma genialidade extrema. A câmera
sempre fixa, ele sai do quadro para aparecer pouco depois já do lado de fora,
na calçada. Corta quando ele avista a outra garotinha, a da bola. Novo corte,
ele apanha a bola, e a câmera se mantém por um tempo à altura da criança.
Momentos iniciais de um dos filmes mais bem dirigidos do cinema, mas fadado,
aqui e lá fora, a ser item raro destinado unicamente a completistas.
Mas o traço mais marcante no estilo de Losey – podemos falar em barroquismo,
mas sem esquecer que é muito mais que isso – é a câmera persecutória, que
acompanha insistentemente os personagens e rearranja todo o espaço ao sabor de
seus movimentos. O ator dita o movimento da câmera, nunca o contrário – nisso
ele difere de Fassbinder, e se aproxima de Luis Buñuel. Como o diretor
espanhol, Losey gosta de enquadramentos insuficientes, que não comportam toda a
ação. O extra-campo, em seus filmes, evoluiu de algo muito próximo ao quadro
para um espaço muitas vezes oposto ao que está enquadrado. Em The Lawless, por exemplo, o ônibus passa
da câmera, pára, e só percebemos que ele deixa os dois latinos quando eles
retornam ao quadro, para caminhar pela calçada arborizada. É uma cena simples,
mas que ilustra perfeitamente como Losey lidava com a informação implícita para
sublinhar o papel da câmera como essencialmente técnico. Com o passar dos anos,
as panorâmicas ora excluíam completamente parte da ação, ora, quando possível,
procuravam seguir de perto cada gesto, cada movimento dos atores.
Belo exemplo dessa câmera persecutória está em Don Giovanni, um mastodonte pretensioso e genial, chato e
instigante ao mesmo tempo, reverente e audacioso. A ópera de três horas de
duração é filmada em locações. Losey volta a Veneza para mostrar as aventuras
amorosas do garanhão e as dificuldades que enfrenta após um terrível incidente.
A câmera o persegue em sua própria perseguição às mulheres, adentra por outros
espaços dos palácios, visita o habitat dos trabalhadores, sobe e desce escadas,
acompanhando um personagem ou uma situação.A
câmera de Losey é a técnica propriamente dita: um aparelho utilizado para
produzir imagens que contam histórias. Pode até parecer uma cabeça humana, numa
primeira vista. Mas é somente um intermediário para chegar ao drama que se
desenlaça aos nossos olhos.
Ainda em Veneza, pensemos no funeral da mulher do escritor, próximo ao final de Eva. A câmera segue uma estátua que
está em uma gôndola. Quando um homem a tomba, a câmera passeia pela gôndola,
passa para outra, pelo caixão, por um guarda chuva, que revela o rosto de um
amigo da falecida, encarando firmemente o escritor vivido por Stanley Baker. As
gôndolas se afastam, mostrando que cada um está em uma delas, e a primeira, com
o escritor, tem estátuas, mas não o caixão. A câmera perseguindo objetos,
olhares cruzados, acontecimentos. Um primor de condução de olhar e de tom. Algo
parecido notamos no início de O Rei e o
Cidadão, com a câmera percorrendo lentamente um monumento a heróis de
guerra, para depois passar para o chão enlameado de um front de batalha. Ao
conduzir nosso olhar, Losey também dita o ritmo desse olhar, e – por que não dizer?
– a intensidade com que devemos olhar.
O barroquismo em seu devido lugar
Como não amar Losey? Como não se deixar envolver por seu barroquismo
controlado, pela paixão que ele tem pelas imagens e pela razão com que ele
administra essa paixão? Porque um dos lugares comuns é falar em barroquismo
quando se fala em Losey, mas só falam sobre espelhos, molduras, adornos dos
cenários, movimentos refinados de câmera; esquecendo-se que, no barroco, como
no expressionismo, cada detalhe é enfatizado, cada pequena variante, cada
pequeno objeto que está em cena tem sua importância.
Recorro aqui, para exemplificar a atenção ao detalhe em seus filmes, aos
momentos finais de Encontro com a Morte.
A personagem de Micheline Presle é confrontada ao pintor vivido por Hardy
Krüger. Ela diz que nunca o viu, mas para que ele fique com a culpa por um
assassinato. Vemos o confronto da lateral, e sabemos pelos cortes feitos
anteriormente que o inspetor está atrás dela, portanto, não podendo ver seu
olhar. Olhar que, por sinal, já a denunciava. Somente quando ela leva a mão ao
ombro do pintor e recua bruscamente ao perceber que aquilo a entregaria, que o
inspetor, atrás dela, pode ter certeza de que está mentindo. O pintor é
libertado e vai para o ponto de ônibus, onde uma garota o observa. Ele lembra
que tinha uma flor no bolso, agora já amassada, e a joga no rio. Quando volta o
ônibus está partindo, e ele corre para alcançá-lo. A garota, que já está dentro
do ônibus e que não parece ter sido notada por ele até então, o segue até o
segundo andar, com o ônibus se afastando de nosso olhar e os créditos finais
aparecendo.
Nesses momentos reside a perfeição barroca de Losey: nunca um decorador, mas um
realizador atento aos detalhes como modo de compor os personagens da maneira
mais racional possível. O olhar de Micheline Presle, sua mão hesitante no ombro
de Hardy Krüger, a garota olhando para Krüger com interesse, os dois quase se
esbarrando dentro do ônibus. São detalhes que fazem toda a diferença. O ciclo
dos infernos estava se fechando para o pintor. A felicidade estaria à espreita,
depois de um longo período de privações e tensões. Não é por acaso que no
início de Encontro com a Morte o
mesmo pintor saía de um ônibus semelhante aos pulos. Feliz? Também. Mas ele
pula em uma perna só porque deixou cair um de seus sapatos. Só ficamos sabendo
disso quando ele volta para apanhá-lo. Como Alice na famosa obra de Lewis
Carroll, ele sai do ônibus para uma temporada em outro mundo, comandado pelo
gélido inspetor vivido por Stanley Baker – em uma performance não menos que
genial. Quando liberado desse outro mundo, pode voltar ao seu. Mas o seu já não
é mais o mesmo. Já não tem mais a namorada madura. Tem agora a incerteza de um
novo romance no horizonte.
Os finalmentes
Em um momento de O Homem Que Veio de
Longe, um dos filmes menores de Losey, mas daqueles que provam quão grande
é um diretor que faz obras menores dessa estatura, Richard Burton, de quimono
negro e espada de samurai, diz para uma debilitada Elizabeth Taylor: “a maioria
das pessoas entra em pânico quando percebe que não é amada por ninguém. Eu
entro em pânico quando não tenho alguém para amar”. Talvez nessa frase lapidar
escrita por Tennessee Williams – roteirista do filme – esteja a mais bela
metáfora sobre a crítica que o diretor inseriu em seus filmes. A arte de amar,
dizia Jean Douchet, em texto seminal publicado na Cahiers du Cinéma em 1961. Cito o trecho inicial, traduzido por Ruy
Gardnier: “A crítica é a arte de amar. Ela é o fruto de uma paixão que não se
deixa devorar por si mesma, mas aspira ao controle de uma vigilante lucidez”.
Losey, endeusado por uma parcela da crítica francesa, estaria, por meio do
diálogo escrito por Williams, permitindo uma justa homenagem aos que o colocaram
em um panteão. Burton, espécie de arauto da virilidade masculina, ébria e
aventureira, desbravadora e petulante, seria o porta-voz de uma declaração de
princípios. Claro, o mais provável é que nada disso tenha sido intencional. Não
há registros em entrevistas de que foi algo pensado. Mas a conexão é
inevitável. Por isso nada mais apropriado do que comparar um filme de um dos
cineastas mais lúcidos que já existiu ao texto clássico de Douchet, que deveria
nortear boa parte dos escritos sobre cinema aqui e alhures. Paixão e lucidez.
Em duas únicas palavras, um cinema capaz de emocionar pedras.
Sérgio Alpendre
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