STANLEY BAKER
Comecei muito jovem no teatro.
Essa experiência teve enorme influência em mim. A disciplina à qual um ator de
teatro está submetido no início é mais decisiva do que o próprio fato de
interpretar um papel. Aprender um texto, coordená-lo com os movimentos, tudo
isso termina por dar desembaraço e controle.
Antes de trabalhar com Joseph
Losey, durante a preparação de um papel, eu me sentia unicamente preocupado com
as informações imediatas do roteiro. Losey me ensinou a necessidade de
vislumbrar tudo. Meu personagem existe em função das vestimentas que porto, dos
móveis que me circundam, etc. Losey se preocupa com essa totalidade, e essa
preocupação torna-se efetiva por uma preocupação complementar com o detalhe:
“Você é sua roupa”, ele diz às vezes aos atores. Ao fim de Eva, o
personagem que interpreto atingiu um estado de completa decadência moral e
social. Losey considerou que seria muito mais significativo que meu personagem
se vestisse de forma mais e mais iluminada, falsamente elegante, a um limite,
ligeiramente homossexual.
Acredito que a verdade de um
personagem existe antes de tudo no roteiro, mas também que ela existe pela
verdade de seu intérprete. Quero dizer que um ator, a fim de imprimir verdade e
força à sua interpretação, deve utilizar sua verdade pessoal. Esta incidência
recíproca é muito cientificamente sustentada por Losey, e ela permite ao ator
melhor julgar seu personagem. Joe se dirige ao que há de mais livre e de mais
solitário em você, ele descobre e lhe faz descobrir ao mesmo tempo gestos e
reflexos que são seus e que você não conhecia. Unicamente do ponto de vista do
ator, trabalhar com Losey descomplexifica. Meu personagem, em Eva, me
repugnava. Ele analisou meus reflexos de repugnância e me definiu da forma mais
completa essa repugnância. Sem querer me apagar, devo acrescentar que trabalhar
com Joe também me trouxe muito na minha vida de homem.
Minha abordagem de um papel é,
sobretudo, instintiva, e Joe respeita isso, mas podemos dizer que, sob sua
direção, o instinto se encontra alargado. Joe atinge um impudor na
interpretação do ator que é a grande expressão da verdade do personagem. Não
quero dizer que interpretamos o personagem além de todas as medidas. Ao
contrário, o trabalho em cima do personagem é levado tão longe, que o ator só
precisa interpretá-lo de forma clara, direta e abrupta: a verdade se alia à
veracidade. Deste ponto de vista, minha experiência de teatro, que me obrigava
a procurar uma certa largura do gesto, me foi útil. No entanto, é preciso tomar
cuidado, porque essa largura necessária pode se tornar um perigo.
Eu dizia que Joe se dirige ao
mais profundo da personalidade do ator. Ele a traduz pelos próprios traços,
nervos, carne, sangue do ator. A emoção se expressará de forma fisiológica, e é
isso que lhe concederá sua força. No meu caso pessoal, possso dizer que essa
concepção da interpretação sempre redefiniu bastante minha experiência profissional,
conscientemente ou não. Ainda agora, Joe nunca entra no automático e, ao
contrário, te surpreende sem parar. Essa faculdade excepcional permite ao ator
um controle maior sobre si mesmo. Ele saberá melhor conduzir uma cena. Ele se
tornará consciente e livre de suas emoções. Assim, como é o caso de Eva,
é possível fazer perceber nos gestos mais desprovidos de significado,
sentimentos ocultos.
O que, enfim, é totalmente
extraordinário com Joe é que, se ele faz um ator expressar uma emoção, essa emoção
será efetivamente transmitida, e não diminuída ou deslocada pelo trabalho da
câmera. Acredito que isso vem do fato de que esse trabalho está aberto ao que
há de mais claro, de mais simples, de mais sensível. Desse ponto de vista, uma
única posição de “olhar” é possível para a câmera, que respeita absolutamente o
que, na ordem dramática, foi descoberto previamente.
Gostei muito de trabalhar com
Walsh. Ele é enérgico e gosta dos atores que transmitem um sentimento de
energia. Ele não tem teorias, mas conhece o poder físico de seus atores, e
sabe fazer com que eles dêem o que ele quer, fazendo-os se engajarem na ação. É
o seu temperamento que dá o movimento. Posso dizer o mesmo de Joe, cuja
inteligência está o tempo todo a serviço do seu temperamento. Aliás, acho que,
finalmente, Joe e Walsh exigem de seus atores mais ou menos a mesma coisa.
Isso, eu senti pessoalmente no curso do meu trabalho, e acredito ser íntimo o
suficiente de um e de outro para afirmar sem risco de erro.
HARDY KRUGER
Conhecia Joseph Losey apenas de
nome, quando me foi proposto de fazer sob sua direção S.O.S. Pacific, e,
apesar de meu interesse por ele, recusei o papel, porque o roteiro era ruim
demais. Ele veio me ver e, logo em seguida, ganhei por ele uma grande simpatia.
Conversamos sobre o assunto, e me dei conta que ele vislumbrava o roteiro da
única forma possível. Nos tornamos amigos, e íamos rodar quando o produtor
decidiu voltar à primeira versão do roteiro. Fomos então transferir nosso
contrato para um outro projeto: Encontro com a Morte.
Durante a preparação de
Encontro com a Morte, não reparei diferença de natureza entre joe e os
diretores com que havia trabalhado antes – ele era apenas mais aberto, mais
humano. Por outro lado, tive uma espécie de revelação diante de seu trabalho no set. A primeira coisa que me espantou foi a forma com a qual, com ele,
um personagem pode se desenvolver no cenário, reagir em relação a uma situação,
um conjunto, o tempo, a luz. Veja também a que ponto o escritório de Stanley
Baker se torna realmente parte de seu personagem.
Joe também não esquece que os
atores têm um corpo e que eles se expressam, antes de mais nada, pelos seus
corpos. Ele lhe explica o que ele deseja, o que você tem a fazer, seu percurso,
o eventual movimento de câmera, as razões de tudo e, se fiando no trabalho
anterior fornecido sobre os personagens no roteiro, lhe deixa muito livre, de
forma que o percurso nasça do movimento de seu corpo – você esquece até a
câmera.
Joe experimenta também uma
grande necessidade de contato com as pessoas, uma necessidade também de ser
compreendido. Durante uma filmagem, ele fica muito próximo de seus principais
colaboradores, ele se interessa por sua vida pessoal. Ele é muito concentrado e
repara nas pessoas coisas que ninguém mais repararia. Ele percebe o elemento
revelador de uma situação entre um homem e uma mulher. Ele não procurará
sistematicamente se servir dele, mas, um dia, num desvio de seu trabalho, ele
talvez se lembre disso.
VIRNA LISI
Eva me agrada muito. É muito
moderno. Meu personagem é um personagem não-cerebral, simples, e eu sempre
estive à vontade no meu trabalho com Joseph Losey. É um diretor que tem uma
comunicação muito grande, e, logo em seguida, uma corrente de compreensão e de
amizade, de afinidades, se estabelece entre ele e você. Quando, no curso do
trabalho, ele diz uma coisa, essa coisa – e também a força e a inteligência com
as quais Losey a apresenta – é tal, que o ator a executa como por osmose. Se
você não sente exatamente o que ele lhe pede, ele leva em conta suas sugestões.
Ele espera dos atores reações menos mecânicas. Ele concede igualmente muito
cuidado a tudo que diz respeito ao ambiente: o calor, a qualidade do ar, os
perfumes. E, assim, seu trabalho se torna mais verdadeiro, mais real.
Antes do início da filmagem de
Eva, Losey fez uma leitura geral para todos os atores; depois, durante a
filmagem, a cada manhã, ele reunia os atores e lhes dava informações precisas
da cena a ser rodada: o que ele busca, antes de tudo, é que tudo esteja bem
claro, tanto para quanto na nossa interpreção.
Tenho, de minha parte, alguns
desprazeres quanto a esse filme. De início, duas das minhas cenas – que
significavam muito pro personagem – foram cortadas no conflto que opôs Losey aos
produtores. E também que o próprio Losey talvez não tenha colocado todos os
personagens juntos no mesmo plano, o que, eu acho, é necessário. Enfim, e
sobretudo, eu acho que Eva não é a verdadeira natureza de Losey, Não é ele como
ele é na vida real. Ele é formidável. Eu o vi uma vez face a uma grande emoção:
ele tremia, mas, como se com uma força impressionante, ele se controlava
totalmente. Eu gostaria muito de ter a oportunidade de trabalhar novamente com
ele – e dessa vez, da forma como o conheci na vida.
ALEXIS SMITH
O que impressiona de imediato
em Joseph Losey é uma força e uma energia muito incomuns e, ao mesmo
tempo, um grande poder de concentração. Como Raul walsh, ele é gerador de uma
energia enorme no set e é essa energia que verdadeiramente faz o filme.
Com Losey, acrescenta-se uma imaginação, uma descoberta da interioridade
orgânica vivida do personagem, uma aproximação fisiológica – e logo o
perosnagem adquire uma dimensão muito maior do que aquela que você imaginava
pra ele no roteiro, uma intensidade e uma sensibilidade que possuem uma true
basic reality. Essa vida, ele concede a partir de reflexos pessoais cuja
imaginação vem de muito longe nele; sua abordagem das coisas é toda ingênua, ao
mesmo tempo em que seu trabalho é muito profissional. O que é impressionante em
Losey, é a possibilidade que o ator tem de interpretar seu personagem num alto
ponto emocional, sem nunca ter que abaixar a intensidade.
Como dizia, eu também gostei
muito de trabalhar com Walsh e com Blake Edwards, que possui uma grande
imaginação, um espírito muito vivo, e um senso de humor formidável. Ele é
maravilhosamente espontâneo, com reações inovadoras em relação à decupagem – e
muito naturais.
(Publicado originalmente na revista Présence du cinéma, n° 17, março 1963. Traduzido do francês por Tatiana Monassa)
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