Passaram-se
anos em que a expressão “geração MTV” foi usada para
identificar quase tudo de ruim que existia na crescente
mutação de uma parte do cinema brasileiro, sobretudo
o cinema “jovem” (curta-metragem
incluído) em um amontoado de cenas de videoclipe, ou ainda da influência nefasta
que um certo tipo de manipulação digital, texturas sobre as imagens, o look moderninho
de certas apresentações publicitárias, um descompasso desejado entre forma e
sentido em busca do efeito puro, do impacto cool e comunicação
instantânea de conteúdos inexistentes, tudo isso nem sempre devidamente debitado
na conta do canal-tendência (e, certamente, não apenas um fenômeno brasileiro),
até que finalmente surgisse um filme produzido pela própria MTV,
veículo das idéias de sua estrela mais destacada nos últimos anos (Chorão, do
Charlie Brown Jr., que escreveu o roteiro do filme a partir de suas
experiências de vida e do tipo de mensagem que suas letras na banda já trabalham
há tempos), marcando a estréia no longa-metragem de um experiente e premiado
diretor de videoclipes, com a participação não só do elenco do canal,
como também de meia dúzia dos artistas mais identificados a seu projeto (Dead
Fish, Marcelo D2, João Gordo, entre outros), e então, na prova dos nove, O
Magnata resultou no maior fracasso de bilheteria da temporada.
Não é muito difícil supor um porquê. O Magnata encontra a geração MTV
no momento em que ela simplesmente já não existe mais,
pelo menos não no modo como se propagandeou por tanto tempo. Nem toda propriedade
que se poderia supor de um filme escrito por alguém “de dentro” consegue apagar
a completa incapacidade de O Magnata perceber, ou minimamente dialogar,
com seu objeto de maior interesse, a saber, um
pós-adolescente em vias de se tornar popstar, mergulhado numa vida de excessos,
balançando constantemente entre a legalidade e o crime, e todos os outros jovens
que orbitam seu mundo de faz-de-conta. Na primeira apresentação da banda do Magnata,
chegamos a um clube-inferninho paulistano onde uma multidão de gente aguarda
o espetáculo. O rapaz então sobe ao palco, dedica a próxima
música “pra vagabunda que tá olhando o meu pau”, e então começa a cantar a
canção, cujo refrão repete exaustivamente o verso “enfia essa buceta no cu”.
Ora, a esse tipo de provocação, a este tipo de manifestação ao mesmo tempo tão
frívola e tão violentamente justa a todos aqueles que tomam parte do espetáculo,
não se pode responder com uma luz vermelha refletindo no rosto de Paulo Vilhena,
em close cheio de expressões raivosas, atribuindo-lhe um ar
endemoniado. O Magnata olha para a geração a que devia se filiar como
aquela tia que observa um sobrinho xingando um palavrão de alto calão e só consegue
reagir dizendo um “ah, seu diabinho!”.
Encarar as reais questões que perpassam a experiência de
vida desta geração exigiria um exercício de criação que O Magnata definitivamente
não está disposto a fazer. Seu repertório visual não faz
questão nenhuma de inventar em cima dos materiais já aguardados para um tipo
de
projeto desse, e assim, todo o olhar sobre a “cultura da rua”, manifestadas na
abertura do filme através de um pequeno resumo da atividade de alguns grafiteiros,
uns cantores de hip-hop reunidos numa quebrada, outros manos jogando basquete,
muitos outros andando de skate, enfim, aquela que supostamente representaria
a cultura de uma geração, é apresentada como se um documentário
etnográfico sob efeito de ecstasy estivesse sendo produzido, um ponto-de-vista
claramente estrangeiro, exotizante (em algum momento, brinca-se até com o fato
de que é impossível ao falante normal compreender aquela língua diferente que
a
molecada fala, certamente não o português). E assim, repetindo vexatoriamente
a
câmera bêbada de um famoso clipe dos Rolling Stones, ou filmando um sonho em
animação a Second Life, O Magnata só faz é pregar para os convertidos,
e
num tom que certamente já não lhes catequiza mais. A molecada cresceu (e isso
talvez explique que tenham preferido dar mais atenção à Meu Nome Não É Johnny,
filme com trama e mensagem moral parecidíssimas com este aqui, mas
que está envolvido numa capa de produto adulto, de discussão séria e teoricamente
mais respeitosa), e um filme que nasça tão simploriamente afoito
pelo hype não pode ter outro destino que não este de ser arqueólogo do
ontem.
Rodrigo de Oliveira
(DVD: Disney Buena Vista)
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