Se a nova comédia americana
é possivelmente o movimento mais coerente no cinema
contemporâneo, Judd Apatow pode ser considerado um dos,
se não o mais consistente entre os diretores dessa corrente.
Mesmo com apenas duas direções para cinema – O Virgem
de 40 Anos (2005) e Ligeiramente Grávidos
– Apatow demonstra inequivocamente seu múltiplo talento.
Seja como roteirista, desenvolvendo histórias e personagens
bastante ricos ou criando universos sedutores por sua
gritante familiaridade. Seja também como diretor, dotado
de um notável senso de ritmo na criação de suas seqüências,
muito bem costuradas em um todo carregado de leveza,
mesmo que seus filmes tenham uma metragem que a princípio
poderia parecer excessiva em se tratando de comédias
(ambos duram cerca de 130 minutos).
Em seus dois filmes, Apatow explora a descoberta de
sentimentos e o amadurecimento de seus personagens.
Se no primeiro o humor nascia de situações mais fáceis,
haja visto a inusitada personalidade do protagonista
vivido por Steve Carell, temos aqui com Ben (Seth Rogen)
e Alison (Katherine Heigl) duas figuras bastante comuns,
a princípio desprovidas de apelo cômico. É justamente
da exploração desse lado quase ordinário que se desprende
tanto dos personagens como das situações por eles vividas
que advém o humor e o charme que faz de Ligeiramente
Grávidos um filme ímpar.
Desde os primeiros minutos, Alison e Ben são apresentados
como figuras já vistas em tantos outros filmes: ele
o jovem adulto que se nega a crescer, vivendo às custas
de uma indenização em uma república de nerds alienados
que passam a vida brincando e fumando maconha de forma
inconseqüente. Já ela, uma bonita jornalista de TV pouco
confiante, mas de carreira ascendente, que a sua maneira
também guarda resquício de adolescente, vivendo em um
“puxadinho” na casa da família de sua irmã mais velha.
Duas figuras díspares, mas cuja aproximação em uma noitada
se dá de forma acachapantemente natural, mesmo considerando
o casal composto de seres cujo encontro poderia ser,
a princípio, incompatível.
Essa naturalidade, que nasce do primeiro contato do
casal, será a chave principal que Judd Apatow usa para
construir Ligeiramente Grávidos. Natural é a
simpatia mútua que aproxima o casal, natural é a sua
“ficada” e sua bebedeira, que acabam por leva-los a
desaguar em uma desajeitada trepada e um conseqüente
constrangimento na manhã seguinte. Dessa naturalidade
brota o humor, que advém justamente do retrato de situações
comuns, que poderiam estar sendo vivenciadas por qualquer
pessoa. E se daí para frente Alison e Ben pareciam predestinados
a nunca mais se encontrar, como tantos casais que embarcam
em relações breves e inconseqüentes, um descuido com
relação à camisinha vai afetar sua vida.
Impressiona a partir de então a forma como Appatow desenvolve
a relação do casal no momento posterior à chegada da
gravidez. Ligeiramente Grávidos se consolida
como uma comédia romântica única justamente porque a
relação entre o casal não se desenvolve a partir daquilo
que se convencionou classificar como “romance”. Se num
primeiro momento Ben e Alison se dispõem a se tolerarem
mutuamente, o fluxo natural os leva a se descobrirem
atraídos de uma maneira que ambos não conseguem bem
compreender. E o amor entre os dois não nasce de uma
idealização de personalidades ou da esperança de serem
“felizes para sempre”. Mas sim de um constante processo
de descoberta, inteligentemente concebido por Apatow
e encarnado à perfeição pela excelente dupla de protagonistas.
Seth Rogen é um ator cômico de recursos mas parece ter
nascido pra interpretar o adulto-adolescente, que, para
quem assistiu Superbad, certamente guarda muito
de sua personalidade. Assim como Alison tem muito da
Dra. Izzie Stevens, personagem de Katherine Heigl no
seriado Grey’s Anatomy. Ambas dotadas de evidente
simpatia e fragilidade que a princípio contrastam com
sua fascinante beleza. Personagens que podem amadurecer
devido a situações que vivenciam ao longo do filme,
mas que não se modificam em sua essência.
Mas não é a beleza das aparências que interessa a Apatow.
Ele se consagra aqui como um retratista da beleza das
imperfeições cotidianas. E isso assume o ponto máximo
durante a brilhante seqüência na qual Alison e Ben não
conseguem consumar uma relação sexual tendo como bloqueio
a adiantada barriga da moça. Apatow consegue aí e em
vários momentos do filme quase extrair poesia da vulgaridade
cotidiana. Se uma quantidade infinita de palavrões é
pronunciada por todos os personagens de Ligeiramente
Grávidos, esses não surgem como agressões, mas sim
expressões naturais do seu emocional. E os xingamentos
proferidos por Alison à beira do parto estão aí para
confirmar essa idéia. Apatow consegue manter essa “naturalidade-poética”
mesmo quando se submete a convenções de roteiro, conseguindo
tornar verossímil um desentendimento do casal, que acabará
por levá-lo a uma separação durante o terceiro ato.
Ainda faz tudo isso criando um filme que em nenhum momento
deixa de ser engraçado, nem tanto na preocupação de
gerar gargalhadas – que muitas vezes existem – mas principalmente
pelo fato de estar o tempo todo impregnado de carismática
graça.
Outro acerto que ressalta ainda mais os méritos de Ligeiramente
Grávidos é a composição do casal formado pela irmã
e o cunhado de Alison (Leslie Mann e Paul Rudd, igualmente
ótimos). Debbie e Pete formam um par imperfeito, ela
uma chata arrogante, ele um banana egoísta, francamente
não nascidos um para o outro, como é ressaltado em um
diálogo do filme. Mas que consegue ser funcional e,
porque não dizer, mesmo feliz a sua maneira. Um espelho
a ser ao mesmo tempo mirado e evitado por Ben e Alison
na construção de seu futuro em comum. Esse futuro que
a conclusão do filme deixa a vislumbrar após o nascimento
da criança, tornando patente que o casal de protagonista,
assim como tantos outros casais de um universo não-ficcional,
terá pela frente não a certeza de uma felicidade eterna,
mas sim a possibilidade de construção de uma vida, com
tudo de bom e ruim que dela pode vir a decorrer. Conclusão
essa que só faz ainda mais dar destaque a Ligeiramente
Grávidos como um dos melhores filmes de 2007.
Gilberto Silva Jr.
(DVD: Paramount)
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