LIGEIRAMENTE GRÁVIDOS
Judd Apatow, Knocked Up, EUA, 2007

Se a nova comédia americana é possivelmente o movimento mais coerente no cinema contemporâneo, Judd Apatow pode ser considerado um dos, se não o mais consistente entre os diretores dessa corrente. Mesmo com apenas duas direções para cinema – O Virgem de 40 Anos (2005) e Ligeiramente Grávidos – Apatow demonstra inequivocamente seu múltiplo talento. Seja como roteirista, desenvolvendo histórias e personagens bastante ricos ou criando universos sedutores por sua gritante familiaridade. Seja também como diretor, dotado de um notável senso de ritmo na criação de suas seqüências, muito bem costuradas em um todo carregado de leveza, mesmo que seus filmes tenham uma metragem que a princípio poderia parecer excessiva em se tratando de comédias (ambos duram cerca de 130 minutos).

Em seus dois filmes, Apatow explora a descoberta de sentimentos e o amadurecimento de seus personagens. Se no primeiro o humor nascia de situações mais fáceis, haja visto a inusitada personalidade do protagonista vivido por Steve Carell, temos aqui com Ben (Seth Rogen) e Alison (Katherine Heigl) duas figuras bastante comuns, a princípio desprovidas de apelo cômico. É justamente da exploração desse lado quase ordinário que se desprende tanto dos personagens como das situações por eles vividas que advém o humor e o charme que faz de Ligeiramente Grávidos um filme ímpar.

Desde os primeiros minutos, Alison e Ben são apresentados como figuras já vistas em tantos outros filmes: ele o jovem adulto que se nega a crescer, vivendo às custas de uma indenização em uma república de nerds alienados que passam a vida brincando e fumando maconha de forma inconseqüente. Já ela, uma bonita jornalista de TV pouco confiante, mas de carreira ascendente, que a sua maneira também guarda resquício de adolescente, vivendo em um “puxadinho” na casa da família de sua irmã mais velha. Duas figuras díspares, mas cuja aproximação em uma noitada se dá de forma acachapantemente natural, mesmo considerando o casal composto de seres cujo encontro poderia ser, a princípio, incompatível.

Essa naturalidade, que nasce do primeiro contato do casal, será a chave principal que Judd Apatow usa para construir Ligeiramente Grávidos. Natural é a simpatia mútua que aproxima o casal, natural é a sua “ficada” e sua bebedeira, que acabam por leva-los a desaguar em uma desajeitada trepada e um conseqüente constrangimento na manhã seguinte. Dessa naturalidade brota o humor, que advém justamente do retrato de situações comuns, que poderiam estar sendo vivenciadas por qualquer pessoa. E se daí para frente Alison e Ben pareciam predestinados a nunca mais se encontrar, como tantos casais que embarcam em relações breves e inconseqüentes, um descuido com relação à camisinha vai afetar sua vida.

Impressiona a partir de então a forma como Appatow desenvolve a relação do casal no momento posterior à chegada da gravidez. Ligeiramente Grávidos se consolida como uma comédia romântica única justamente porque a relação entre o casal não se desenvolve a partir daquilo que se convencionou classificar como “romance”. Se num primeiro momento Ben e Alison se dispõem a se tolerarem mutuamente, o fluxo natural os leva a se descobrirem atraídos de uma maneira que ambos não conseguem bem compreender. E o amor entre os dois não nasce de uma idealização de personalidades ou da esperança de serem “felizes para sempre”. Mas sim de um constante processo de descoberta, inteligentemente concebido por Apatow e encarnado à perfeição pela excelente dupla de protagonistas. Seth Rogen é um ator cômico de recursos mas parece ter nascido pra interpretar o adulto-adolescente, que, para quem assistiu Superbad, certamente guarda muito de sua personalidade. Assim como Alison tem muito da Dra. Izzie Stevens, personagem de Katherine Heigl no seriado Grey’s Anatomy. Ambas dotadas de evidente simpatia e fragilidade que a princípio contrastam com sua fascinante beleza. Personagens que podem amadurecer devido a situações que vivenciam ao longo do filme, mas que não se modificam em sua essência.

Mas não é a beleza das aparências que interessa a Apatow. Ele se consagra aqui como um retratista da beleza das imperfeições cotidianas. E isso assume o ponto máximo durante a brilhante seqüência na qual Alison e Ben não conseguem consumar uma relação sexual tendo como bloqueio a adiantada barriga da moça. Apatow consegue aí e em vários momentos do filme quase extrair poesia da vulgaridade cotidiana. Se uma quantidade infinita de palavrões é pronunciada por todos os personagens de Ligeiramente Grávidos, esses não surgem como agressões, mas sim expressões naturais do seu emocional. E os xingamentos proferidos por Alison à beira do parto estão aí para confirmar essa idéia. Apatow consegue manter essa “naturalidade-poética” mesmo quando se submete a convenções de roteiro, conseguindo tornar verossímil um desentendimento do casal, que acabará por levá-lo a uma separação durante o terceiro ato. Ainda faz tudo isso criando um filme que em nenhum momento deixa de ser engraçado, nem tanto na preocupação de gerar gargalhadas – que muitas vezes existem – mas principalmente pelo fato de estar o tempo todo impregnado de carismática graça.

Outro acerto que ressalta ainda mais os méritos de Ligeiramente Grávidos é a composição do casal formado pela irmã e o cunhado de Alison (Leslie Mann e Paul Rudd, igualmente ótimos). Debbie e Pete formam um par imperfeito, ela uma chata arrogante, ele um banana egoísta, francamente não nascidos um para o outro, como é ressaltado em um diálogo do filme. Mas que consegue ser funcional e, porque não dizer, mesmo feliz a sua maneira. Um espelho a ser ao mesmo tempo mirado e evitado por Ben e Alison na construção de seu futuro em comum. Esse futuro que a conclusão do filme deixa a vislumbrar após o nascimento da criança, tornando patente que o casal de protagonista, assim como tantos outros casais de um universo não-ficcional, terá pela frente não a certeza de uma felicidade eterna, mas sim a possibilidade de construção de uma vida, com tudo de bom e ruim que dela pode vir a decorrer. Conclusão essa que só faz ainda mais dar destaque a Ligeiramente Grávidos como um dos melhores filmes de 2007.

Gilberto Silva Jr.

(DVD: Paramount)

 








Maternidade e palavrões (Ligeiramente Grávidos)