Quanto
ao teatro, deixemos para os de teatro. Mas, em cinema,
havemos de concordar que David Mamet nunca foi nada.
No máximo, ele foi o infiel da balança que separava
aqueles que não conseguem distinguir esperteza malvadinha
de real inteligência e sensibilidade, e aqueles que
vêem o filme prestando atenção unicamente na história
contada daqueles que se interessam pela construção visual
da cena e do quadro. Sejamos diretos: jamais houve qualquer
real idéia visual em seu cinema, assim como seu trabalho
com atores é pífio, chamando atenção para si mesmo o
tempo todo e descambando muitas vezes no overacting
mais descarado. Oleanna, incensado por tantos,
talvez seja o melhor exemplo disso: uma peça “polêmica”
que se aproveita de temas ao calor da hora (assédio,
"excessos" do feminismo), vagabundamente adaptada
ao cinema (ou seja, o olhar da câmera sempre omisso
ou neutro), e, claro, o flerte com o profundo. O problema
é que não é com surpresas, viradas de roteiro e mecanismos
narrativos que se chega à verdade da alma. No máximo
se engana alguns ingênuos.
Com Cinturão Vermelho, nem isso. É claramente
um frankenstein, um filme de kickboxer, oops, de jiu-jitsu,
com o "toque" Mamet, ou seja, envergonhado
de ser vagabundo e comercial, cheio de deixas roteirísticas
que reaparecerão de forma insuspeita e detalhes que
rearranjarão a história mais à frente. O rebuscamento
rococó do roteiro contraria ridiculamente a trama, que
defende a simplicidade e a honra de um instrutor de
jiu-jitsu contra os crocodilos (praticamente todo o
resto do filme, de sua mulher aos organizadores de torneios
de luta) que só pensam em faturar passando por cima
das crenças e ideais dos outros. Não é só um caso de
contradição entre construção e relato, é a descrença
completa na história sendo contada que essa disritmia
ocasiona. Por momentos, a história exagera tanto no
peso da responsabilidade carregada pelo herói, quando
um de seus alunos se suicida e a esposa viúva o pune
pelo ato, que passa por nossa cabeça a possibilidade
de uma paródia auto-consentida. Ou simplesmente de algo
tão mal feito e mesquinho que nem vale a pena se aprofundar,
sob o risco de ser tragado na besteira retórica (verdadeiro
terreno desse Cinturão).
O engraçado é que aqueles que esperam um filme de luta
não verão luta, apenas jogos psicológicos orquestrados
maliciosamente para aterrar a sensibilidade do espectador;
aqueles que querem um filme de David Mamet se sentirão
enojados pelo aspecto popularesco da intriga (o que
é, err, bem-feito; aliás, quem mandou?); e aqueles que
esperam ver Rodrigo Santoro e Alice Braga despontando
nas telas americanas receberão apenas pontas de luxo
e, no caso do ator, alguns momentos de completa vergonha
alheia. Em suma, ainda que jamais se esperasse coisa
alguma de Mamet sob o ponto de vista da mise-en-scène,
até em seus próprios domínios Cinturão Vermelho
não é nada mais, nada menos que um desastre.
Ruy Gardnier
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