CINTURÃO VERMELHO
David Mamet, Redbelt, EUA, 2008

Quanto ao teatro, deixemos para os de teatro. Mas, em cinema, havemos de concordar que David Mamet nunca foi nada. No máximo, ele foi o infiel da balança que separava aqueles que não conseguem distinguir esperteza malvadinha de real inteligência e sensibilidade, e aqueles que vêem o filme prestando atenção unicamente na história contada daqueles que se interessam pela construção visual da cena e do quadro. Sejamos diretos: jamais houve qualquer real idéia visual em seu cinema, assim como seu trabalho com atores é pífio, chamando atenção para si mesmo o tempo todo e descambando muitas vezes no overacting mais descarado. Oleanna, incensado por tantos, talvez seja o melhor exemplo disso: uma peça “polêmica” que se aproveita de temas ao calor da hora (assédio, "excessos" do feminismo), vagabundamente adaptada ao cinema (ou seja, o olhar da câmera sempre omisso ou neutro), e, claro, o flerte com o profundo. O problema é que não é com surpresas, viradas de roteiro e mecanismos narrativos que se chega à verdade da alma. No máximo se engana alguns ingênuos.

Com Cinturão Vermelho, nem isso. É claramente um frankenstein, um filme de kickboxer, oops, de jiu-jitsu, com o "toque" Mamet, ou seja, envergonhado de ser vagabundo e comercial, cheio de deixas roteirísticas que reaparecerão de forma insuspeita e detalhes que rearranjarão a história mais à frente. O rebuscamento rococó do roteiro contraria ridiculamente a trama, que defende a simplicidade e a honra de um instrutor de jiu-jitsu contra os crocodilos (praticamente todo o resto do filme, de sua mulher aos organizadores de torneios de luta) que só pensam em faturar passando por cima das crenças e ideais dos outros. Não é só um caso de contradição entre construção e relato, é a descrença completa na história sendo contada que essa disritmia ocasiona. Por momentos, a história exagera tanto no peso da responsabilidade carregada pelo herói, quando um de seus alunos se suicida e a esposa viúva o pune pelo ato, que passa por nossa cabeça a possibilidade de uma paródia auto-consentida. Ou simplesmente de algo tão mal feito e mesquinho que nem vale a pena se aprofundar, sob o risco de ser tragado na besteira retórica (verdadeiro terreno desse Cinturão).

O engraçado é que aqueles que esperam um filme de luta não verão luta, apenas jogos psicológicos orquestrados maliciosamente para aterrar a sensibilidade do espectador; aqueles que querem um filme de David Mamet se sentirão enojados pelo aspecto popularesco da intriga (o que é, err, bem-feito; aliás, quem mandou?); e aqueles que esperam ver Rodrigo Santoro e Alice Braga despontando nas telas americanas receberão apenas pontas de luxo e, no caso do ator, alguns momentos de completa vergonha alheia. Em suma, ainda que jamais se esperasse coisa alguma de Mamet sob o ponto de vista da mise-en-scène, até em seus próprios domínios Cinturão Vermelho não é nada mais, nada menos que um desastre.


Ruy Gardnier