Findos
(Senhor dos Anéis, Piratas do Caribe)
ou já tornados previsíveis (Harry Potter, as enésimas
continuações dos super-heróis) os ciclos de blockbusters
feitos aproveitando as guinadas tecnológicas dos efeitos
especiais, é o momento de fazer o balanço dos talentos.
Nada, na verdade, que já não tenha sido insinuado no
corpo-a-corpo das operações críticas. Todos são meio
unânimes em concordar que Peter Jackson é um péssimo
cineasta e que a trilogia dos Piratas do Caribe
é de longe o que tem de mais interessante nessa onda
toda (alguns hão de evocar Sam Raimi e seus três Homem-Aranha,
mas ainda há embate). E que, de uma forma geral, a qualidade
do filme varia de acordo com a potencialidade de intervenção
lúdica da parte do espectador. Partilhas feitas e partidos
tomados, resta ainda lembrar de um grupo de filmes relativamente
pouco lembrado (até mesmo aqui na revista, onde os filmes
nem ganharam crítica), a franquia da Múmia de
Stephen Sommers. Mais até do que os Piratas de
Verbinski, os filmes de Sommers pareciam unicamente
interessados nas potencialidades restauradoras de crença
nos formatos menores de ficção, e utilizavam
a maquinaria de efeitos especiais não para adequar a
fantasia à plausibilidade do possível, mas ao encantamento
lúdico e gratuito, certamente humorístico, que a invenção
sintética poderia criar. A relação com o espectador
não se dava através de um saber-fazer demiúrgico que
criava um mundo imaginário perfeito, mas na cumplicidade
do saber-brincar que apenas usa a narrativa como meio
sem acreditar nela como fim (e sem precisar da aterrorizante
conformidade ao original na qual os nerds fanáticos
se transformam em fiscais anti-criação) e trabalha apenas
com um mínimo necessário de verossimilhança.
A Múmia – Tumba do Imperador Dragão já tem um
handicap inicial de não ser dirigido por Stephen Sommers,
apenas produzido. Colocaram Rob Cohen, que é um artesão
mediano. Mas desde o começo uma saída genial para explicar
a saída de Rachel Weisz e a entrada de Maria Bello em
seu lugar é esboçada, de forma sumária, sem precisar
cair muito em explicações – na verdade, fazendo piada
com isso. E já de partida ele ganha por um certo charme
– um charme, aliás, que falta definitivamente a Indiana
Jones e o Reino da Caveira de Cristal, por exemplo.
Apesar desse charme, que persiste ao longo da projeção,
o filme não consegue ir muito além disso, alternando
momentos simpáticos com outros sem maior brilho. Com
Cohen no controle, o filme fica menos frenético, mais
estático. Ele certamente é capaz de retirar momentos
graciosos de seus atores, mas no geral não sabe muito
bem o que fazer para transformar o espaço em terreno
fluido. Se há fluidez e poesia, elas aparecem pontualmente,
na ascensão de um exército de mortos-vivos maltrapilhos
para combater soldados-múmias bem armados, em momentos
insanos de deus ex machina, na canastrice adequada
de Brendan Fraser para o papel que interpreta. O profissionalismo
suga um pouco a saga doidivanas da imaginação, mas algo
persiste – não o suficiente para tornar o espetáculo
obrigatório, mas também nada que convide ao desprezo.
Aquilo que tornava a série distintiva no panorama –
a utilização das possibilidades poéticas dos efeitos
especiais – já não aparece mais com tanta desenvoltura;
trata-se de um filme limitado, bem limitado até, mas
um filme a se defender dentro de um cenário que usa
o capital como arrogância para a reles tarefa de restituir
o visível quando poderia, segundo os termos de Paul
Klee, tornar visível.
Ruy Gardnier
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