Rambo IV é o produto de uma teimosia colossal.
Teimosia do personagem em continuar existindo num mundo
que o rejeita desde sempre. Teimosia do diretor em querer
filmar o que está além de suas capacidades (há
uma desastrosa inspiração em Peckinpah
na apoteose final regada a tiros de metralhadora, câmeras
lentas, sangue espirrando, corpos caindo). Teimosia
do Stallone em fazer John Rambo ressuscitar quando nada havia a acrescentar
a seu epitáfio. Teimosia em tentar vendê-lo à Hollywood
do “no country for old men”.
A notícia que chega da selva da Birmânia é que o mundo
está perdido, all fucked up. Uma guerra de lunáticos contra mercenários se substitui
a qualquer possibilidade de “luta justa”. Mas para Rambo, em particular, não adianta se esconder dessa guerra
suja, pois esta vem a seu encontro de qualquer forma.
Ele é uma máquina de guerra. Por mais que a máquina
se revolte contra o seu programa, em algum momento aquiescerá
a ele – tese defendida em vários níveis, desde a descrença
no humanismo político até a ênfase na violência e na
petrificação do olhar de Rambo.
Em
Rocky Balboa, Stallone tinha assumido um tom menor que até angariava simpatia.
Tirado do mito para ser observado em retrato íntimo,
aquele era o Rocky Balboa que realmente poderia
existir na continuação da série, era assim mesmo que
ele envelhecia enquanto não se faziam mais filmes sobre
ele. Já em Rambo IV temos a sensação de que o personagem se
tornou uma deformação simbólica; perdeu a energia, a
configuração e o sentido. Como se tivesse ficado escondido
do mundo durante esses vinte anos de sumiço – e é de
fato o que ele tentava. Stallone
consegue ao menos isso: compreender a trajetória de
seus dois personagens mais famosos. Para reforçar que
seu compromisso é com o personagem John Rambo
e não com o mundo, Stallone
ignora solenemente a guerra do Iraque e vai para a Birmânia.
Talvez porque esteja mais perto do Vietnã, onde tudo
começou: antes de ir para casa, Rambo
precisa rever a origem de todos os seus traumas. A purgação
hecatômbica do personagem
é o único ponto de chegada do enredo frouxo e arbitrário
desse filme. A regressão psicológica do final de Rambo - Programado para Matar se trocou agora por uma catarse física representada
por uma carnificina como há muito não se via (daquelas
de obrigar o figurante a voltar pro final da fila pra
morrer de novo).
No primeiro Rambo, a paisagem
norte-americana se tornava o mesmo cenário de guerra
das florestas vietnamitas de onde ele regressara. Em
Rambo IV, a equação se inverte:
a floresta asiática é o lugar que, uma vez em guerra,
incita o personagem a voltar para casa. Nem se trata
de uma inversão, na verdade, e sim de um ciclo que se
fecha. Para espécies em extinção, contudo, não há paisagem
acolhedora, não há prosperidade no comércio com o espaço
natural, não há nicho. A verdadeira fidelidade ao personagem
John Rambo é reconhecer que
ele nunca terá vez em lugar algum. Resta saber se o
final de Rambo IV nega ou afirma esse destino.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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